Principais períodos da história da Filosofia A Filosofia na História
Convite à Filosofia
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
Unidade 1
A Filosofia
A Filosofia
Capítulo 4
Principais períodos da história da Filosofia
Principais períodos da história da Filosofia
A Filosofia na História
Como todas as outras criações e instituições
humanas, a Filosofia está na História e tem uma história.
Está na História: a Filosofia manifesta e
exprime os problemas e as questões que, em cada época de uma sociedade, os
homens colocam para si mesmos, diante do que é novo e ainda não foi
compreendido. A Filosofia procura enfrentar essa novidade, oferecendo caminhos,
respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num diálogo permanente com a
sociedade e a cultura de seu tempo, do qual ela faz parte.
Tem uma história: as respostas, as soluções e
as novas perguntas que os filósofos de uma época oferecem tornam-se saberes
adquiridos que outros filósofos prosseguem ou, freqüentemente, tornam-se novos
problemas que outros filósofos tentam resolver, seja aproveitando o passado
filosófico, seja criticando-o e refutando-o. Além disso, as transformações nos
modos de conhecer podem ampliar os campos de investigação da Filosofia, fazendo
surgir novas disciplinas filosóficas, como também podem diminuir esses campos,
porque alguns de seus conhecimentos podem desligar-se dela e formar disciplinas
separadas.
Assim, por exemplo, a Filosofia teve seu
campo de atividade aumentado quando, no século XVIII, surge a filosofia da arte
ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no século XX, a filosofia
das ciências ou epistemologia, e a filosofia da linguagem. Por outro lado, o
campo da Filosofia diminuiu quando as ciências particulares que dela faziam
parte foram-se desligando para constituir suas próprias esferas de
investigação. É o que acontece, por exemplo, no século XVIII, quando se
desligam da Filosofia a biologia, a física e a química; e, no século XX, as
chamadas ciências humanas (psicologia, antropologia, história).
Pelo fato de estar na História e ter uma
história, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos que
acompanham, às vezes de maneira mais próxima, às vezes de maneira mais
distante, os períodos em que os historiadores dividem a História da sociedade
ocidental.
Os
principais períodos da Filosofia
Filosofia antiga
(do século VI a.C. ao século VI d.C.)
(do século VI a.C. ao século VI d.C.)
Compreende os quatro grandes períodos da
Filosofia greco-romana, indo dos pré-socráticos aos grandes sistemas do período
helenístico, mencionados no capítulo anterior.
Filosofia patrística
(do século I ao século VII)
(do século I ao século VII)
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o
Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a Filosofia
medieval.
A patrística resultou do esforço feito pelos
dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja
para conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento filosófico
dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer
os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia patrística liga-se,
portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã
contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos.
Divide-se em patrística grega (ligada
à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e
seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes,
Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo,
Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.
A patrística foi obrigada a introduzir idéias
desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de criação do mundo, de
pecado original, de Deus como trindade una, de encarnação e morte de Deus, de
juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou
também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por
Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho
e Boécio, a idéia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do
livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal
no mundo.
Para impor as idéias cristãs, os Padres da
Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da Bíblia e dos
santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é,
irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção, desconhecida
pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou
humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras
introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao
simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia patrística
é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três
posições principais:
1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis
e a fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque absurdo”).
2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas
subordinavam a razão à fé (diziam eles: “Creio para compreender”).
3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis,
mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo próprio de conhecimento e não
devem misturar-se (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos
homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida
eterna futura).
Filosofia medieval
(do século VIII ao século XIV)
(do século VIII ao século XIV)
Abrange pensadores europeus, árabes e judeus.
É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis,
organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras
universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas
escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o nome de Escolástica.
A Filosofia medieval teve como influências
principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais conhecessem
fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o
Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes,
particularmente Avicena e Averróis.
Conservando e discutindo os mesmos problemas
que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros - particularmente um,
conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além de Platão e
Aristóteles, sofreu uma grande influência das idéias de Santo Agostinho.
Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é, na verdade,
a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da existência de
Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do infinito
criador e do espírito humano imortal.
A diferença e separação entre infinito (Deus)
e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve
subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma
(espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam
e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais,
vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder
espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval.
Outra característica marcante da Escolástica
foi o método por ela inventado para expor as idéias filosóficas, conhecida como
disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou refutada ou
defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de
outros Padres da Igreja.
Assim, uma idéia era considerada uma tese
verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos
encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa - teses,
refutações, defesas, respostas, conclusões baseadas em escritos de outros
autores -, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava
subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma idéia é considerada
verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (Bíblia,
Platão, Aristóteles, um papa, um santo).
Os teólogos medievais mais importantes foram:
Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino,
Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado
árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides,
Nahmanides, Yeudah bem Levi.
Filosofia da Renascença
(do século XIV ao século XVI)
(do século XIV ao século XVI)
É marcada pela descoberta de obras de Platão
desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como pela
recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.
São três as grandes linhas de pensamento que
predominavam na Renascença:
1. Aquela proveniente de Platão, do
neoplatonismo e da descoberta dos livros do Hermetismo; nela se destacava a
idéia da Natureza como um grande ser vivo; o homem faz parte da Natureza como
um microcosmo (como espelho do Universo inteiro) e pode agir sobre ela através
da magia natural, da alquimia e da astrologia, pois o mundo é constituído por
vínculos e ligações secretas (a simpatia) entre as coisas; o homem pode,
também, conhecer esses vínculos e criar outros, como um deus.
2. Aquela originária dos pensadores
florentinos, que valorizava a vida ativa, isto é, a política, e defendia os
ideais republicanos das cidades italianas contra o Império Romano-Germânico,
isto é, contra o poderio dos papas e dos imperadores. Na defesa do ideal
republicano, os escritores resgataram autores políticos da Antigüidade,
historiadores e juristas, e propuseram a “imitação dos antigos” ou o
renascimento da liberdade política, anterior ao surgimento do império
eclesiástico.
3. Aquela que propunha o ideal do homem como
artífice de seu próprio destino, tanto através dos conhecimentos (astrologia,
magia, alquimia), quanto através da política (o ideal republicano), das
técnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegação) e das artes (pintura,
escultura, literatura, teatro).
A efervescência teórica e prática foi
alimentada com as grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o
conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes,
permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa
efervescência cultural e política levou a críticas profundas à Igreja Romana,
culminando na Reforma Protestante, baseada na idéia de liberdade de crença e de
pensamento. À Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o
recrudescimento do poder da Inquisição.
Os nomes mais importantes desse período são:
Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne,
Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa.
Filosofia moderna
(do século XVII a meados do século XVIII)
(do século XVII a meados do século XVIII)
Esse período, conhecido como o Grande
Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais:
1. Aquela conhecida como o “surgimento do
sujeito do conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar seu trabalho
conhecendo a Natureza e Deus, para depois referir-se ao homem, começa indagando
qual é a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade
dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto
é, pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer.
O ponto de partida é o sujeito do
conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que
conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no
interior de uma alma, cuja natureza ou substância é completamente diferente da
natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores.
Por isso, a segunda pergunta da Filosofia,
depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é: Como o
espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode conhecer
os corpos da Natureza?
2. A resposta à pergunta acima constituiu a
segunda grande mudança intelectual dos modernos, e essa mudança diz respeito ao
objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a
vida social e política) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas
representações, ou seja, idéias ou conceitos formulados pelo sujeito do
conhecimento.
Isso significa, por um lado, que tudo o que
pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa idéia clara
e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por outro
lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente
conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são
racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idéias do
sujeito do conhecimento.
3. Essa concepção da realidade como
intrinsecamente racional e que pode ser plenamente captada pelas idéias e
conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual moderna. A realidade,
a partir de Galileu, é concebida como um sistema racional de mecanismos
físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática. O “livro do mundo”,
diz Galileu, “está escrito em caracteres matemáticos.”
A realidade, concebida como sistema racional
de mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência clássica, isto é, à
mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e interpretados todos os
fatos da realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, artes
são disciplinas cujo conhecimento é de tipo mecânico, ou seja, de relações
necessárias de causa e efeito entre um agente e um paciente.
A realidade é um sistema de causalidades
racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Nasce
a idéia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico que orienta as
intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar tecnicamente a
Natureza e a sociedade.
Predomina, assim, nesse período, a idéia de
conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da explicação
mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças às
experiências físicas e químicas.
Existe também a convicção de que a razão
humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das
emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las,
de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional.
A mesma convicção orienta o racionalismo
político, isto é, a idéia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade
qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente.
Nunca mais, na história da Filosofia, haverá
igual confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana como houve no
Grande Racionalismo Clássico. Os principais pensadores desse período foram:
Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz,
Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi.
Filosofia da Ilustração ou Iluminismo
(meados do século XVIII ao começo do século XIX)
(meados do século XVIII ao começo do século XIX)
Esse período também crê nos poderes da razão,
chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O Iluminismo afirma
que:
● pela razão, o homem pode conquistar a
liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da Ilustração foi
decisiva para as idéias da Revolução Francesa de 1789);
● a razão é capaz de evolução e progresso, e
o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-se dos
preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstição e do
medo, graças as conhecimento, às ciências, às artes e à moral;
● o aperfeiçoamento da razão se realiza pelo
progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também chamadas de
“primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da Europa
Ocidental);
● há diferença entre Natureza e civilização,
isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das
leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da
liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em
seu aperfeiçoamento moral, técnico e político.
Nesse período há grande interesse pelas
ciências que se relacionam com a idéia de evolução e, por isso, a biologia terá
um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da
vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes, na medida em
que elas são as expressões por excelência do grau de progresso de uma
civilização.
Data também desse período o interesse pela
compreensão das bases econômicas da vida social e política, surgindo uma
reflexão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma controvérsia
sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio, controvérsia
que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente fisiocrata
(a agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o comércio é
a fonte principal da riqueza das nações).
Os principais pensadores do período foram:
Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling (embora
este último costume ser colocado como filósofo do Romantismo).
Filosofia contemporânea
Abrange o pensamento filosófico que vai de
meados do século XIX e chega aos nossos dias. Esse período, por ser o mais
próximo de nós, parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois as
diferenças entre as várias filosofias ou posições filosóficas nos parecem muito
grandes porque as estamos vendo surgir diante de nós.
Para facilitar uma visão mais geral do
período, faremos, no próximo capítulo, uma contraposição entre as principais
idéias do século XIX e as principais correntes de pensamento do século XX.
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