A razão: inata ou adquirida? Inatismo ou empirismo?
Convite à Filosofia
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
Unidade 2
A Razão
A Razão
Capítulo 3
A razão: inata ou adquirida?
A razão: inata ou adquirida?
Inatismo
ou empirismo?
De onde vieram os princípios racionais
(identidade, não-contradição, terceiro-excluído e razão suficiente)? De onde
veio a capacidade para a intuição (razão intuitiva) e para o raciocínio (razão
discursiva)? Nascemos com eles? Ou nos seriam dados pela educação e pelo
costume? Seriam algo próprio dos seres humanos, constituindo a natureza deles,
ou seriam adquiridos através da experiência?
Durante séculos, a Filosofia ofereceu duas
respostas a essas perguntas. A primeira ficou conhecida como inatismo e
a segunda, como empirismo.
O inatismo afirma que nascemos trazendo em
nossa inteligência não só os princípios racionais, mas também algumas idéias
verdadeiras, que, por isso, são idéias inatas. O empirismo, ao contrário,
afirma que a razão, com seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, é
adquirida por nós através da experiência. Em grego, experiência se diz: empeiria
– donde, empirismo, conhecimento empírico, isto é, conhecimento adquirido por
meio da experiência.
O
inatismo
Vamos falar do inatismo tomando dois
filósofos como exemplo: o filósofo grego Platão (século IV a.C.) e o filósofo
francês Descartes (século XVII).
Inatismo
platônico
Platão defende a tese do inatismo da razão ou
das idéias verdadeiras em várias de suas obras, mas as passagens mais
conhecidas se encontram nos diálogos Mênon e A República.
No Mênon, Sócrates dialoga com um
jovem escravo analfabeto. Fazendo-lhe perguntas certas na hora certa, o
filósofo consegue que o jovem escravo demonstre sozinho um difícil teorema de
geometria (o teorema de Pitágoras). As verdades matemáticas vão surgindo no
espírito do escravo à medida que Sócrates vai-lhe fazendo perguntas e vai
raciocinando com ele.
Como isso seria possível, indaga Platão, se o
escravo não houvesse nascido com a razão e com os princípios da racionalidade?
Como dizer que conseguiu demonstrar o teorema por um aprendizado vindo da
experiência, se ele jamais ouvira falar de geometria?
Em A República, Platão desenvolve uma
teoria que já fora esboçada no Mênon: a teoria da reminiscência.
Nascemos com a razão e as idéias verdadeiras, e a Filosofia nada mais faz do
que nos relembrar essas idéias.
Platão é um grande escritor e usa em seus
escritos um procedimento literário que o auxilia a expor as teorias muito
difíceis. Assim, para explicar a teoria da reminiscência, narra o mito de Er.
O pastor Er, da região da Panfília, morreu e
foi levado para o Reino dos Mortos. Ali chegando, encontra as almas dos heróis
gregos, de governantes, de artistas, de seus antepassados e amigos. Ali, as
almas contemplam a verdade e possuem o conhecimento verdadeiro.
Er fica sabendo que todas as almas renascem
em outras vidas para se purificarem de seus erros passados até que não precisem
mais voltar à Terra, permanecendo na eternidade. Antes de voltar ao nosso
mundo, as almas podem escolher a nova vida que terão. Algumas escolhem a vida
de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, outras de artista, de
sábio.
No caminho de retorno à Terra, as almas
atravessam uma grande planície por onde corre um rio, o Lethé (que, em grego,
quer dizer esquecimento), e bebem de suas águas. As que bebem muito
esquecem toda a verdade que contemplaram; as bebem pouco quase não se esquecem
do que conheceram.
As que escolheram vidas de rei, de guerreiro
ou de comerciante rico são as que mais bebem das águas do esquecimento; as que
escolheram a sabedoria são as que menos bebem. Assim, as primeiras dificilmente
(talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da verdade que conheceram, enquanto
as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razão.
Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade
que já existe em nós; é despertar a razão para que ela se exerça por si mesma.
Por isso, Sócrates fazia perguntas, pois, através delas, as pessoas poderiam
lembrar-se da verdade e do uso da razão. Se não nascêssemos com a razão e com a
verdade, indaga Platão, como saberíamos que temos uma idéia verdadeira ao encontrá-la?
Como poderíamos distinguir o verdadeiro do falso, se não nascêssemos conhecendo
essa diferença?
Inatismo
cartesiano
Descartes discute a teoria das idéias inatas
em várias de suas obras, mas as exposições mais conhecidas encontram-se em duas
delas: no Discurso do método e nas Meditações metafísicas.
Nelas, Descartes mostra que nosso espírito
possui três tipos de idéias que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:
1. Idéias adventícias (isto é, vindas
de fora): são aquelas que se originam de nossas sensações, percepções,
lembranças; são as idéias que nos vêm por termos tido a experiência sensorial
ou sensível das coisas a que se referem. Por exemplo, a idéia de árvore, de
pássaro, de instrumentos musicais, etc. São nossas idéias cotidianas e
costumeiras, geralmente enganosas ou falsas, isto é, não correspondem à
realidade das próprias coisas.
Assim, andando à noite por uma floresta, vejo
fantasmas. Quando raia o dia, descubro que eram galhos retorcidos de árvores
que se mexiam sob o vento. Olho para o céu e vejo, pequeno, o Sol. Acredito,
então, que é menor do que a Terra, até que os astrônomos provem racionalmente
que ele é muito maior do que ela.
2. Idéias fictícias: são aquelas que
criamos em nossa fantasia e imaginação, compondo seres inexistentes com pedaços
ou partes de idéias adventícias que estão em nossa memória. Por exemplo, cavalo
alado, fadas, elfos, duendes, dragões, Super-Homem, etc. São as fabulações das
artes, da literatura, dos contos infantis, dos mitos, das superstições.
Essas idéias nunca são verdadeiras, pois não
correspondem a nada que exista realmente e sabemos que foram inventadas por
nós, mesmo quando as recebemos já prontas de outros que as inventaram.
3. Idéias inatas: são aquelas que não
poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou
sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos
experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória.
As idéias inatas são inteiramente racionais e
só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, a idéia do infinito
(pois não temos qualquer experiência do infinito), as idéias matemáticas (a
matemática pode trabalhar com a idéia de uma figura de mil lados, o quiliógono,
e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil
lados).
Essas idéias, diz Descartes, são “a
assinatura do Criador” no espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz
natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as idéias inatas são
colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre
corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas,
podemos julgar quando uma idéia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as
idéias fictícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós).
Ainda segundo Descartes, as idéias inatas são
as mais simples que possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e sim
não-compostas de outras idéias). A mais famosa das idéias inatas cartesianas é
o “Penso, logo existo”. Por serem simples, as idéias inatas são conhecidas por
intuição e são elas o ponto de partida da dedução racional e da indução, que
conhecem as idéias complexas ou compostas.
A tese central dos inatistas é a seguinte: se
não possuirmos em nosso espírito a razão e a verdade, nunca teremos como saber
se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca saberemos se uma idéia
corresponde ou não à realidade a que ela se refere. Não teremos um critério
seguro para avaliar nossos conhecimentos.
O
empirismo
Contrariamente aos defensores do inatismo, os
defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais
são adquiridos por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem
eles, nossa razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma
“tábula rasa”, onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada
impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula,
dar forma à cera.
Os
empiristas ingleses
No decorrer da história da Filosofia muitos
filósofos defenderam a tese empirista, mas os mais famosos e conhecidos são os
filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII, chamados, por isso, de empiristas
ingleses: Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume.
Na verdade, o empirismo é uma característica
muito marcante da filosofia inglesa. Na Idade Média, por exemplo, filósofos
importantes como Roger Bacon e Guilherme de Ockham eram empiristas; em nossos
dias, Bertrand Russell foi um empirista.
Que dizem os empiristas?
Nossos conhecimentos começam com a
experiência dos sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores
excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores,
ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc.
As sensações se reúnem e formam uma
percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos
chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha
e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo:
“Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias sensações
diferentes num único objeto de percepção.
As percepções, por sua vez, se combinam ou se
associam. A associação pode dar-se por três motivos: por semelhança, por proximidade
ou contigüidade espacial e por sucessão temporal. A causa da associação das
percepções é a repetição. Ou seja, de tanto algumas sensações se repetirem por
semelhança, ou de tanto se repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das
outras, ou, enfim, de tanto se repetirem sucessivamente no tempo, criamos o
hábito de associá-las. Essas associações são as idéias.
As idéias, trazidas pela experiência, isto é,
pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, a
razão as apanha para formar os pensamentos.
A experiência escreve e grava em nosso
espírito as idéias, e a razão irá associá-las, combiná-las ou separá-las,
formando todos os nossos pensamentos. Por isso, David Hume dirá que a razão é o
hábito de associar idéias, seja por semelhança, seja por diferença.
O exemplo mais importante (por causa das
conseqüências futuras) oferecido por Hume para mostrar como formamos hábitos
racionais é o da origem do princípio da causalidade (razão suficiente).
A experiência me mostra, todos os dias, que,
se eu puser um líquido num recipiente e levar ao fogo, esse líquido ferverá,
saindo do recipiente sob a forma de vapor. Se o recipiente estiver totalmente
fechado e eu o destampar, receberei um bafo de vapor, como se o recipiente
tivesse ficado pequeno para conter o líquido.
A experiência também me mostra, todo o tempo,
que se eu puser um objeto sólido (um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no
calor do fogo, não só ele se derreterá, mas também passará a ocupar um espaço
muito maior no interior do recipiente. A experiência também repete
constantemente para mim a possibilidade que tenho de retirar um objeto preso
dentro de um outro, se eu aquecer este último, pois, aquecido, ele solta o que
estava preso no seu interior, parecendo alargar-se e aumentar de tamanho.
Experiências desse tipo, à medida que vão se
repetindo sempre da mesma maneira, vão criando em mim o hábito de associar o
calor com certos fatos. Adquiro o hábito de perceber o calor e, em seguida, um
fato igual ou semelhante a outros que já percebi inúmeras vezes. E isso me leva
a dizer: “O calor é a causa desses fatos”. Como os fatos são de aumento
do volume ou da dimensão dos corpos submetidos ao calor, acabo concluindo: “O
calor é a causa da dilatação dos corpos” e também “A dilatação dos corpos
é o efeito do calor”. É assim, diz Hume, que nascem as ciências. São
elas, portanto, hábito de associar idéias, em conseqüência das repetições da
experiência.
Ora, ao mostrar como se forma o princípio da
causalidade, Hume não está dizendo apenas que as idéias da razão se originam da
experiência, mas está afirmando também que os próprios princípios da
racionalidade são derivados da experiência.
Mais do que isso. A razão pretende, através
de seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em
seus aspectos universais e necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a
realidade tal como é em si mesma, considerando que o que conhece vale como
verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas
são e como não poderiam, de modo algum, ser de outra maneira (necessidade).
Ora, Hume torna impossível tanto a
universalidade quanto a necessidade pretendidas pela razão. O universal é
apenas um nome ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição de
semelhanças percebidas e associadas. O necessário é apenas o nome ou uma
palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição das percepções
sucessivas no tempo. O universal, o necessário, a causalidade são meros hábitos
psíquicos.
Problemas
do inatismo
Se os princípios e as idéias da razão são
inatos e por isso universais e necessários, como explicar que possam mudar?
Por exemplo, Platão afirmava que a idéia de
justiça era inata, vinha da contemplação intelectual do justo em si ou do
conhecimento racional das coisas justas em si. Sendo inata, era universal e
necessária.
Sem dúvida, dizia o filósofo grego, os seres
humanos variam muito nas suas opiniões sobre o justo e a justiça, pois essas
opiniões se formam por experiência e esta varia de pessoa para pessoa, de época
para época, de lugar para lugar. Por isso mesmo, são simples opiniões.
Uma idéia verdadeira, ao contrário,
por ser verdadeira, é inata, universal e necessária, não sofrendo as variações
das opiniões, que, além de serem variáveis, são, no mais das vezes, falsas,
pois nossa experiência tende a ser enganosa ou enganada.
Qual era a idéia platônica da justiça? Era
uma idéia moral ou uma idéia política.
Moralmente, uma pessoa é justa (pratica a
idéia universal da justiça) quando faz com que o intelecto ou a razão domine e
controle inteira e completamente seus impulsos passionais, seus sentimentos e
suas emoções irracionais. Por quê? Porque o intelecto ou a razão é a parte
melhor e superior de nossa alma ou espírito e deve dominar a parte inferior e
pior, ligada aos desejos irracionais do nosso corpo.
Politicamente, uma sociedade é justa (isto é,
pratica a idéia inata e universal de justiça) quando nela as classes sociais se
relacionam como na moral. Em outras palavras, quando as classes inferiores
forem dominadas e controladas pelas classes superiores.
A sociedade justa cria uma hierarquia ou uma
escala de classes sociais e de poderes, onde a classe econômica, mais inferior,
deve ser dominada e controlada pela classe militar, para que as riquezas não
provoquem desigualdades, egoísmos, guerras, violências; a classe militar, por
sua vez, deve ser dominada e controlada pela classe política para impedir que
os militares queiram usar a força e a violência contra a sociedade e fazer
guerras absurdas. Enfim, a classe política deve ser dominada e controlada pelos
sábios (a razão), que não deixarão que os políticos abusem do poder e
prejudiquem toda a sociedade.
Justiça, portanto, é o domínio da
inteligência sobre os instintos, interesses e paixões, tanto no indivíduo
quanto na sociedade.
Ora, o que acontece com a justiça moral
platônica, isto é, com a idéia de um poder total da razão sobre as paixões e os
sentimentos, os desejos e os impulsos, com o surgimento da psicanálise? Freud,
seu criador, mostrou que não temos esse poder, que nossa consciência, nossa
vontade e nossa razão podem menos que o nosso inconsciente, isto é, do que o
desejo. Como uma idéia inata, afinal, perdeu a verdade?
O que acontece com a justiça política
platônica quando alguns filósofos que estudaram a formação das sociedades e da
política mostraram a igualdade de todos os cidadãos e afirmaram que nenhuma
classe tem o direito de dominar e controlar outras, e que tal domínio e
controle é, exatamente, a injustiça? Como uma idéia inata, afinal, perdeu a
verdade?
Tomemos, agora, um outro exemplo, vindo da
filosofia de Descartes.
Descartes considera que a realidade natural é
regida por leis universais e necessárias do movimento, isto é, que a natureza é
uma realidade mecânica. Considera também que as leis mecânicas ou leis do
movimento elaboradas por sua filosofia ou por sua física são idéias racionais
deduzidas de idéias inatas simples e verdadeiras.
Ora, quando comparamos a física de Descartes
com a de Galileu, elaborada na mesma época, verificamos que a física galileana
é oposta à cartesiana e é a que será provada e demonstrada verdadeira, a de
Descartes sendo falsa. Como poderia isso acontecer, se as idéias da física
cartesiana eram idéias inatas?
Os exemplos que propusemos indicam onde estão
os dois grandes problemas do inatismo:
1. a própria razão pode mudar o conteúdo de
idéias que eram consideradas universais e verdadeiras (é o caso da idéia
platônica de justiça);
2. a própria razão pode provar que idéias
racionais também podem ser falsas (é o caso da física cartesiana).
Se as idéias são racionais e verdadeiras, é
porque correspondem à realidade. Ora, a realidade permanece a mesma e, no
entanto, as idéias que a explicavam perderam a validade. Ou seja, o inatismo se
depara com o problema da mudança das idéias, feita pela própria razão, e com o
problema da falsidade das idéias, demonstrada pela própria razão.
Problemas
do empirismo
O empirismo, por sua vez, se defronta com um
problema insolúvel.
Se as ciências são apenas hábitos
psicológicos de associar percepções e idéias por semelhança e diferença, bem
como por contigüidade espacial ou sucessão temporal, então as ciências não
possuem verdade alguma, não explicam realidade alguma, não alcançam os objetos
e não possuem nenhuma objetividade.
Ora, o ideal racional da objetividade afirma
que uma verdade é uma verdade porque corresponde à realidade das coisas e,
portanto, não depende de nossos gostos, nossas opiniões, nossas preferências,
nossos preconceitos, nossas fantasias, nossos costumes e hábitos. Em outras
palavras, não é subjetiva, não depende de nossa vida pessoal e psicológica.
Essa objetividade, porém, para o empirista, a ciência não pode oferecer nem
garantir.
A ciência, mero hábito psicológico ou
subjetivo, torna-se afinal uma ilusão, e a realidade tal como é em si mesma
(isto é, a realidade objetiva) jamais poderá ser conhecida por nossa razão.
Basta, por exemplo, que um belo dia eu ponha um líquido no fogo e, em lugar de
vê-lo ferver e aumentar de volume, eu o veja gelar e diminuir de volume, para
que toda a ciência desapareça, já que ela depende da repetição, da freqüência,
do hábito de sempre percebermos uma certa sucessão de fatos à qual, também por
hábito, demos o nome de princípio da causalidade.
Assim, do lado do empirismo, o problema
colocado é o da impossibilidade do conhecimento objetivo da realidade.
RESUMINDO…
Do lado do inatismo, o problema pode ser
formulado da seguinte maneira: como são inatos, as idéias e os princípios da
razão são verdades intemporais que nenhuma experiência nova poderá modificar.
Ora, a História (social, política, científica
e filosófica) mostra que idéias tidas como verdadeiras e universais não
possuíam essa validade e foram substituídas por outras. Mas, por definição, uma
idéia inata é sempre verdadeira e não pode ser substituída por outra. Se for
substituída, então não era uma idéia verdadeira e, não sendo uma idéia
verdadeira, não era inata.
Do lado do empirismo, o problema pode ser
formulado da seguinte maneira: a racionalidade ocidental só foi possível porque
a Filosofia e as ciências demonstraram que a razão é capaz de alcançar a
universalidade e a necessidade que governam a própria realidade, isto é, as
leis racionais que governam a Natureza, a sociedade, a moral, a política.
Ora, a marca própria da experiência é a de
ser sempre individual, particular e subjetiva. Se o conhecimento racional for
apenas a generalização e a repetição para todos os seres humanos de seus
estados psicológicos, derivados de suas experiências, então o que chamamos de
Filosofia, de ciência, de ética, etc. são nomes gerais para hábitos psíquicos e
não um conhecimento racional verdadeiro de toda a realidade, tanto a realidade
natural quanto a humana.
Problemas dessa natureza, freqüentes na
história da Filosofia, suscitam, periodicamente, o aparecimento de uma corrente
filosófica conhecida como ceticismo, para o qual a razão humana é
incapaz de conhecer a realidade e por isso deve renunciar à verdade. O cético
sempre manifesta explicitamente dúvidas toda vez que a razão tenha pretensão ao
conhecimento verdadeiro do real.
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