A razão na Filosofia contemporânea A razão histórica
Convite
à Filosofia
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
Unidade
2
A Razão
A Razão
Capítulo
5
A razão na Filosofia contemporânea
A razão na Filosofia contemporânea
A
razão histórica
Conforme vimos no capítulo anterior, nem
todos os filósofos aceitaram a solução hegeliana para as dificuldades criadas
para a razão com o conflito entre inatismo e empirismo.
É o caso do filósofo alemão Edmund Husserl,
criador da fenomenologia (que descreve as estruturas da consciência),
que manteve o inatismo, mas com as contribuições trazidas pelo kantismo. Em
outras palavras, a fenomenologia considera a razão uma estrutura da consciência
(como Kant), mas cujos conteúdos são produzidos por ela mesma,
independentemente da experiência (diferentemente do que dissera Kant).
O que chamamos de “mundo” ou “realidade”, diz
Husserl, não é um conjunto ou um sistema de coisas e pessoas, animais e
vegetais. O mundo ou a realidade é um conjunto de significações ou de sentidos
que são produzidos pela consciência ou pela razão. A razão é “doadora do
sentido” e ela “constitui a realidade” enquanto sistemas de significações que
dependem da estrutura da própria consciência.
As significações não são pessoais,
psicológicas, sociais, mas universais e necessárias. Elas são as essências,
isto é, o sentido impessoal, intemporal, universal e necessário de toda
a realidade, que só existe para a consciência e pela consciência. A razão é
razão subjetiva que cria o mundo como racionalidade objetiva. Isto é, o mundo
tem sentido objetivo porque a razão lhe dá sentido.
Assim, por exemplo, a razão não estuda os
conteúdos psicológicos de minha vida pessoal, mas pergunta: O que é a vida
psíquica? O que são e como são a memória, a imaginação, a sensação, a
percepção?
A pergunta “O que é?” não se refere a uma
descrição dos processos mentais e físicos que nos fazem lembrar, imaginar,
sentir ou perceber. Essa pergunta se refere à descrição do sentido da
memória, da imaginação, da sensação, da percepção, isto é, se refere à essência
delas, independentemente de nossas experiências psicológicas pessoais. A fenomenologia
não indaga, por exemplo, se uma certa idéia ou uma certa opinião são causadas
pela vida em sociedade, mas pergunta: O que é o social? O que é a sociedade? As
respostas a essas perguntas formam as significações ou essências
e são elas o conteúdo que a própria razão oferece a si mesma para dar sentido à
realidade.
A fenomenologia afasta-se, portanto, da
solução hegeliana, pois não admite que as formas e os conteúdos da razão mudem
no tempo e com o tempo. Elas se enriquecem e se ampliam no tempo, mas não se
transformam por causa do tempo.
Razão
e sociedade
Diferentemente da fenomenologia, outros
filósofos, como os que criaram a chamada Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica,
adotam a solução hegeliana, mas com uma modificação fundamental. Os filósofos
dessa Escola, como Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Max Horkheimer, têm uma
formação marxista e, por isso, recusam a idéia hegeliana de que a História é
obra da própria razão, ou que as transformações históricas da razão são
realizadas pela própria razão, sem que esta seja condicionada ou determinada
pelas condições sociais, econômicas e políticas.
Para esses filósofos, o engano de Hegel está,
em primeiro lugar, na suposição de que a razão seja uma força histórica
autônoma (isto é, não condicionada pela situação material ou econômica, social
e política de uma época), e, em segundo lugar, na suposição de que a razão é a
força histórica que cria a própria sociedade, a política, a cultura. Para esses
filósofos, Hegel está correto quando afirma que as mudanças históricas ocorrem
pelos conflitos e contradições, mas está enganado ao supor que tais conflitos
se dão entre diferentes formas da razão, pois eles se dão como conflitos e
contradições sociais e políticas, modificando a própria razão.
Os filósofos da Teoria Crítica consideram que
existem, na verdade, duas modalidades da razão: a razão instrumental ou
razão técnico-científica, que está a serviço da exploração e da dominação, da
opressão e da violência, e a razão crítica ou filosófica, que reflete
sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como
uma força liberadora.
A Escola de Frankfurt mantém a idéia
hegeliana de que há uma continuidade temporal ou histórica entre a forma
anterior da racionalidade e a forma seguinte: a razão moderna, por exemplo, não
surge de repente e do nada, mas resulta de contradições e conflitos
sócio-políticos do final da Idade Média e da Renascença, de modo que, ao
superar a racionalidade medieval e renascentista, nasce como racionalidade
moderna.
Cada nova forma da racionalidade é a vitória
sobre os conflitos das formas anteriores, sem que haja ruptura histórica entre
elas. Mudanças sociais, políticas e culturais determinam mudanças no
pensamento, e tais mudanças são a solução realizada pelo tempo presente para os
conflitos e as contradições do passado.
A razão não determina nem condiciona a
sociedade (como julgara Hegel), mas é determinada e condicionada pela sociedade
e suas mudanças. Assim, os inatistas se enganam ao supor a imutabilidade dos
conteúdos da razão e os empiristas se enganam ao supor que as mudanças são
acarretadas por nossas experiências, quando, na verdade, são produzidas por
transformações globais de uma sociedade.
Razão
e descontinuidade temporal
Nos anos 60, desenvolveu-se, sobretudo na
França, uma corrente científica (iniciado na lingüística e na antropologia
social) chamada estruturalismo. Para os estruturalistas, o mais
importante não é a mudança ou a transformação de uma realidade (de uma língua,
de uma sociedade indígena, de uma teoria científica), mas a estrutura ou
a forma que ela tem no presente.
A estrutura passada e a estrutura futura são
consideradas estruturas diferentes entre si e diferentes da
estrutura presente, sem que haja interesse em acompanhar temporalmente a
passagem de uma estrutura para outra. Assim, o estruturalismo científico
desconsidera a posição filosófica de tipo hegeliano, tendo maior afinidade com
a kantiana. O estruturalismo teve uma grande influência sobre o pensamento
filosófico e isso se refletiu na discussão sobre a razão.
Se observarmos bem, notaremos que a solução
hegeliana revela uma concepção cumulativa e otimista da razão:
● Cumulativa: Hegel considera que a
razão, na batalha interna entre teses e antíteses, vai sendo enriquecida, vai
acumulando conhecimentos cada vez maiores sobre si mesma, tanto como
conhecimento da racionalidade do real (razão objetiva), quanto como
conhecimento da capacidade racional para o conhecimento (razão subjetiva).
● Otimista: para Hegel, a razão possui
força para não se destruir a si mesma em suas contradições internas; ao
contrário, supera cada uma delas e chega a uma síntese harmoniosa de todos os
momentos que constituíram a sua história.
Influenciados pelo estruturalismo, vários
filósofos franceses, como Michel Foucault, Jacques Derrida e Giles Delleuze,
estudando a história da Filosofia, das ciências, da sociedade, das artes e das
técnicas, disseram que, sem dúvida, a razão é histórica – isto é, muda
temporalmente – mas essa história não é cumulativa, evolutiva, progressiva e
contínua. Pelo contrário, é descontínua, se realiza por saltos e cada estrutura
nova da razão possui um sentido próprio, válido apenas para ela.
Dizem eles que uma teoria (filosófica ou
científica) ou uma prática (ética, política, artística) são novas justamente
quando rompem as concepções anteriores e as substituem por outras completamente
diferentes, não sendo possível falar numa continuidade progressiva entre elas,
pois são tão diferentes que não há como nem por que compará-las e julgar uma
delas mais atrasada e a outra mais adiantada.
Assim, por exemplo, a teoria da relatividade,
elaborada por Einstein, não é continuação evoluída e melhorada da física
clássica, formulada por Galileu e Newton, mas é uma outra física, com
conceitos, princípios e procedimentos completamente novos e diferentes. Temos
duas físicas diferentes, cada qual com seu sentido e valor próprio.
Não se pode falar num processo, numa evolução
ou num avanço da razão a cada nova teoria, pois a novidade significa justamente
que se trata de algo tão novo, tão diferente e tão outro que será absurdo falar
em continuidade e avanço. Não há como dizer que as idéias e as teorias passadas
são falsas, erradas ou atrasadas: elas simplesmente são diferentes das outras
porque se baseiam em princípios, interpretações e conceitos novos.
Em cada época de sua história, a razão cria
modelos ou paradigmas explicativos para os fenômenos ou para os objetos do
conhecimento, não havendo continuidade nem pontos comuns entre eles que
permitam compará-los. Agora, em lugar de um processo linear e contínuo da
razão, fala-se na invenção de formas diferentes de racionalidade, de acordo com
critérios que a própria razão cria para si mesma. A razão grega é diferente da
medieval que, por sua vez, é diferente da renascentista e da moderna. A razão
moderna e a iluminista também são diferentes, assim como a razão hegeliana é
diferente da contemporânea.
Por
que ainda falamos em razão?
Diante das concepções descontinuístas da
razão, podemos fazer duas perguntas:
1ª. Se, em cada época, por motivos históricos
e teóricos determinados, a razão muda inteiramente, o que queremos dizer quando
continuamos empregando a palavra razão?
2ª. Se, em cada ciência, cada filosofia, cada
teoria, cada expressão do pensamento, nada há em comum com as anteriores e as
posteriores, por que dizemos que algumas são racionais e outras não o são? A
razão não seria, afinal, um mito que nossa cultura inventou para si mesma?
Podemos responder à primeira pergunta dizendo
que continuamos a falar em razão, apesar de haver muitas e diferentes “razões”,
porque mantemos uma idéia que é essencial à noção ocidental de razão. Que idéia
é essa? A de que a realidade, o mundo natural e cultural, os seres humanos, sua
ações e obras têm sentido e que esse sentido pode ser conhecido.
É o ideal do conhecimento objetivo que é conservado quando continuamos a falar
em razão.
Com relação à segunda pergunta, podemos dizer
que, em cada época, os membros da sociedade e da cultura ocidentais julgam a
validade da própria razão como capaz ou incapaz de realizar o ideal do
conhecimento. Esse julgamento pode ser realizado de duas maneiras.
A primeira maneira ou o primeiro critério de
avaliação da capacidade racional é o da coerência interna de um
pensamento ou de uma teoria. Ou seja, quando um pensamento ou uma teoria se
propõem a oferecer um conhecimento, simultaneamente também oferecem os
princípios, os conceitos e os procedimentos que sustentam a explicação
apresentada. Quando não há compatibilidade entre a explicação e os princípios,
os conceitos e os procedimentos oferecidos, dizemos que não há coerência e que
o pensamento ou a teoria não são racionais. A razão é, assim, o critério de que
dispomos para a avaliação, o instrumento para julgar a validade de um
pensamento ou de uma teoria, julgando sua coerência ou incoerência consigo
mesmos.
A segunda maneira é diferente da anterior.
Agora, pergunta-se se um pensamento ou uma teoria contribuem ou não para que os
seres humanos conheçam e compreendam as circunstâncias em que vivem, contribuem
ou não para alterar situações que os seres humanos julgam inaceitáveis ou
intoleráveis, contribuem ou não para melhorar as condições em que os seres
humanos vivem. Assim, a razão, além de ser o critério para avaliar os
conhecimentos, é também um instrumento crítico para compreendermos as
circunstâncias em que vivemos, para mudá-las ou melhorá-las. A razão tem um
potencial ativo ou transformador e por isso continuamos a falar nela e a desejá-la.
Razão
e realidade
Os dois critérios vistos acima – a coerência
interna de um pensamento ou de uma teoria e o potencial crítico-transformador
dos conhecimentos – também nos ajudam a perceber quando a razão vira mito e
deixa de ser razão.
Analisemos como exemplo as teorias que
defendem o racismo e que são tidas como científicas ou racionais.
As teorias racistas se apresentam usando
princípios, conceitos e procedimentos (ou métodos) racionais, científicos.
Fazem pesquisas biológicas, genéticas, químicas, sociológicas; usam a indução e
a dedução; definem conceitos, inferem conclusões dos dados obtidos por
experiência e por cálculos estatísticos. Usando tais procedimentos, fazem
demonstrações e por meio delas pretendem provar:
1. que existem raças;
2. que as raças são biológica e geneticamente
diferentes;
3. que há raças atrasadas e adiantadas,
inferiores e superiores;
4. que as raças atrasadas e inferiores não
são capazes, por exemplo, de desenvolvimento intelectual e estão naturalmente
destinadas ao trabalho manual, pois sua razão é muito pequena e não conseguem
compreender as idéias mais complexas e avançadas;
5. que as raças adiantadas e superiores estão
naturalmente destinadas a dominar o planeta e que, se isso for necessário para
seu bem, têm o direito de exterminar as raças atrasadas e inferiores;
6. que, para o bem das raças inferiores e das
superiores, deve haver segregação racial (separação dos locais de moradia, de
trabalho, de educação, de lazer, etc.), pois a não-segregação pode fazer as
inferiores arrastarem as superiores para seu baixo nível, assim como pode fazer
as superiores tentarem inutilmente melhorar o nível das inferiores.
Ora, a razão pode demonstrar que a
“racionalidade” racista é irracional e que está a serviço da violência, da
ignorância e da destruição.
Assim, a biologia e a genética demonstram que
há diferenças na formação anatômico-fisiológica dos seres humanos em
decorrência de diferenças internas do organismo e de diferenças ecológicas,
isto é, do meio ambiente, e que tais diferenças não produzem “raças”. “Raça”,
portanto, é uma palavra inventada para avaliar, julgar e manipular as
diferenças biológicas e genéticas.
A sociologia, a antropologia e a história
demonstram que as diferenças que a biologia e a genética apresentam não
decorrem somente das diferenças nas condições ambientais, mas também são
produzidas pelas diferentes maneiras pelas quais os grupos sociais definem as
relações de trabalho, de parentesco, as formas de avaliação, de vestuário, de
habitação, etc. Essas diferenças não formam “raças” e, portanto, “raça” é uma
palavra inventada para avaliar, julgar e manipular tais diferenças.
A ciência política e econômica demonstra que,
no interior de uma mesma sociedade, formam-se grupos e classes sociais que se
apropriam das riquezas e do poder, colocam (pela força, pelo medo, pela
superstição, pela mentira, pela ilusão) outros grupos e classes sociais sob sua
dominação e justificam tal fato afirmando que tais grupos ou classes são
inferiores e que possuem características físicas e mentais que os fazem ser uma
“raça inferior”. “Raça”, portanto, não existe. É uma palavra inventada para
legitimar a exploração e a dominação que um grupo social e político exerce
sobre os outros grupos.
A psicologia demonstra que as capacidades
mentais de todos os grupos e classes sociais de uma cultura são iguais, mas que
se manifestam de modos diferenciados dependendo dos modos de vida, de trabalho,
de acesso à escola e à educação formal, das crenças religiosas, de valores
morais e artísticos diferentes, etc. Essas diferenças não formam “raças” e,
portanto, “raça” é uma palavra inventada para transformar as diferenças em
justificativas para discriminações e exclusões.
A Filosofia, recolhendo fatos, dados,
resultados e demonstrações feitos pelas várias ciências, pode, então, concluir
dizendo que:
1. a teoria do racismo é falsa, não é
científica e é irracional;
2. a teoria “científica” do racismo é, na
verdade, uma prática (e não uma teoria) econômica, social, política e cultural
para justificar a violência contra seres humanos e, portanto, é inaceitável
para as ciências, para a Filosofia e para a razão. Uma “razão” racista não é
razão, mas ignorância, preconceito, violência e irrazão.
RECAPITULANDO…
No caminho que fizemos até aqui (sobretudo no
capítulo 4 da unidade 1 e nos capítulos 2 e 3 da unidade 2) notamos que a Filosofia
e a razão estão na História e possuem uma história. Notamos também que as
respostas filosóficas aos dilemas criados pelo inatismo e pelo empirismo se
transformaram em novas dificuldades e novos problemas. Vimos, finalmente, que
as concepções contemporâneas da razão são tão radicais que chegamos a indagar
se ainda poderíamos continuar falando em razão.
A essa indagação procuramos responder
mostrando que a permanência da razão se deve ao fato de considerarmos que a
realidade (natural, social, cultural, histórica) tem sentido e que este pode
ser conhecido, mesmo quando isso implique modificar a noção de razão e alargá-la.
Dissemos também que a razão permanece porque
a própria razão exige que seu trabalho de conhecimento seja julgado por ela
mesma, e que, para esse julgamento da racionalidade dos conhecimentos e das
ações, a razão oferece dois critérios principais:
1. o critério lógico da coerência interna de um
pensamento ou de uma teoria, isto é, a avaliação da compatibilidade e da
incompatibilidade entre os princípios, conceitos, definições e procedimentos
empregados e as conclusões ou resultados obtidos;
2. o critério ético-político do papel da razão
e do conhecimento para a compreensão das condições em que vivem os seres
humanos e para sua manutenção, melhoria ou transformação.
Aprendendo
com as dificuldades da razão
Vimos também que:
1. mesmo quando os filósofos, para resolver os
impasses do inatismo, do empirismo e do kantismo, afirmam que a razão é
histórica, nem por isso entendem a mesma coisa;
2. dizer que a razão é histórica pode
significar: a razão evolui, progride continuamente no tempo, avança e se torna
cada vez melhor; mas também pode significar: a razão muda radicalmente em cada
época, sua história é feita de rupturas e descontinuidades e não há como, nem
por que comparar as diferentes formas da racionalidade, cada qual tendo sua
necessidade própria e seu valor próprio para o momento em que foi proposta;
3. dizer que a história da razão é descontínua
poderia levar a pensar que, afinal, a palavra razão não indica nada de
muito preciso, nada de muito claro e rigoroso e que, talvez, seja um mito que a
cultura ocidental inventou para si mesma. Mas pode também significar uma outra
coisa, muito mais importante: que a razão não é a estrutura universal do
espírito humano e sim um meio precioso de que dispomos para criar, julgar e
avaliar conhecimentos, para dar sentido às coisas, às situações e aos
acontecimentos e para transformar nossa existência individual e coletiva.
Ora, o que fizemos até aqui foi um percurso
no qual a razão não cessa de indagar a si mesma o que ela é, o que ela pode e
vale, por que ela existe. As crises da razão são enfrentadas por ela, na medida
em que são criadas por ela mesma em sua relação com a produção dos
conhecimentos e com as condições históricas nas quais ela se realiza.
É verdade que tomar a razão pelo prisma de
suas dificuldades e de seus impasses pode levar ao risco de cairmos na atitude
cética, isto é, na posição dos que não acreditam que a razão seja capaz de
conhecimentos verdadeiros. Isso, no entanto, só aconteceria se imaginássemos
que a razão deveria ser imutável, intemporal e a-histórica e, portanto, algo
que estaria em nós, mas que seria completamente diferente de nós, já que somos
mutáveis, temporais e históricos. O cético é, afinal, aquele que, no fundo,
deseja uma razão absoluta (impossível) e por isso despreza a razão humana tal
como ela existe, pois da forma como ela existe, ele, o cético, não pode conhecê-la.
Podemos dizer ainda que tomar a razão pelo
prisma de suas dificuldades e de seus impasses, de suas conquistas e perdas é a
melhor vacina que a Filosofia possui contra uma doença intelectual muito
perigosa chamada dogmatismo.
Dogmatismo vem da palavra grega dogma,
que significa: uma opinião estabelecida por decreto e ensinada como uma
doutrina, sem contestação. Por ser uma opinião decretada ou uma doutrina
inquestionada, um dogma é tomado como uma verdade que não pode ser contestada
nem criticada, como acontece, por exemplo, na nossa vida cotidiana, quando,
diante de uma pergunta ou de uma dúvida que apresentamos, nos respondem: “É
assim porque é assim e porque tem que ser assim”. O dogmatismo é uma atitude
autoritária e submissa. Autoritária, porque não admite dúvida, contestação e
crítica. Submissa, porque se curva às opiniões estabelecidas.
As crises, as dificuldades e os impasses da
razão mostram, assim, o oposto do dogmatismo. Indicam atitude reflexiva e
crítica própria da racionalidade, destacando a importância fundamental da
liberdade de pensamento para a própria razão e para a Filosofia.
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