Liberdade um direito ou um obrigação

SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Milton Fabiano da Silva
Liberdade um direito ou uma obrigação?
São Paulo
2012



Milton Fabiano da Silva

Liberdade um direito ou uma obrigação?

Trabalho elaborado para obtenção de título de especialista em Ensino de Filosofia sendo apresentada a Universidade Estadual Paulista
Orientador: Prof. Sinésio Ferraz Bueno




                                                           São Paulo
2012


 
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada à fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA

Milton Fabiano da Silva
        Liberdade um direito ou uma obrigação?
São Paulo, 2012.
Nº de páginas p.
Orientador: Sinésio Ferraz Bueno
Redefor/UNESP

Liberdade direito ou uma obrigação.

 Projeto realizado para obtenção do título de especialista em Ensino de Filosofia apresentado a Universidade Estadual Paulista

Orientador: Prof. . Sinésio Ferraz  Bueno
Aprovado em: _____/_____/______
Banca examinadora:
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RESUMO
            Tratar da questão da liberdade é um desafio, pois sabemos que existem muitos conceitos e posições divergentes a respeito do tema referente à liberdade. Em nosso cotidiano são apresentadas diversas situações que nos fazem refletir sobre qual é a melhor forma de agir e tomarmos uma decisão correta a respeito de determinadas situações. Quando o indivíduo tem a possibilidade de decidir sobre suas ações de forma consciente e sem qualquer pressão externa é a afirmação de que ele possui liberdade. Dessa forma, então a liberdade estaria relacionada à condição pela qual o homem age no mundo em que vive, é maneira pela qual ele entende a atribui valores a suas ações

Palavras-chave: contratualismo, liberdade, estado de natureza, sociedade, direito, dever.


SUMÁRIO














Filosofia e contratualismo
 Tema: A liberdade como direito ou como obrigação?
Milton Fabiano da Silva¹
1.      Introdução:

             Tratar da questão da liberdade é um desafio, pois sabemos que existem muitos conceitos e posições divergentes a respeito do tema referente à liberdade. Em nosso cotidiano são apresentadas diversas situações que nos fazem refletir sobre qual é a melhor forma de agir e tomarmos uma decisão correta a respeito de determinadas situações. Quando o indivíduo tem a possibilidade de decidir sobre suas ações de forma consciente e sem qualquer pressão externa é a afirmação de que ele possui liberdade. Dessa forma, então a liberdade estaria relacionada à condição pela qual o homem age no mundo em que vive, é maneira pela qual ele entende a atribui valores a suas ações.
             Porém, é possível perceber que a maioria das pessoas quando buscam uma resposta para a definição da liberdade, entendem e a definem por meio de uma visão simplista, ou seja, relacionada ao senso comum, pois as pessoas acreditam que liberdade é a possibilidade de fazer tudo aquilo que o indivíduo deseja.
             Uma das primeiras definições referentes à liberdade foi produzida por Aristóteles que entendia a questão referente liberdade como a possibilidade do indivíduo agir conforme a sua própria vontade. Ser livre é, pois, o mesmo que agir voluntariamente, sendo esta vontade determinada pelo próprio agente. (Caderno do professor SEE, 3º ano vol.3 p.18). Esse conceito de liberdade ficou conhecido como libertarismo.
             A Liberdade também é definida da seguinte forma: é a condição daquele que é livre. Sua capacidade de agir por si mesmo. Autodeterminação. Independência. Autonomia. (Japiassú p. 169).
            É importante ressaltar também que existem correntes filosóficas que afirmam que a liberdade não existe, entre elas podemos destacar o determinismo e o destino, ambas correntes defendem a tese que os homens por fatores externos a ele seriam incapazes de mudar suas condições de vida pela sua própria vontade.
            Faz-se necessário neste momento esclarecer o que vem a ser o determinismo. O determinismo é uma doutrina filosófica que afirma que todos os acontecimentos do mundo, todo o conjunto de relações entre os homens, incluindo aqui o comportamento humano, os fenômenos da natureza, fazem parte de uma causa que lhes antecede, ou seja, existe uma espécie de plano racional, que regula a vida dos indivíduos, dessa forma a vontade humana estaria submetida a um conjunto de leis. Essas leis além de necessárias também são consideradas como leis imutáveis. Esse plano racional, essa causa antecessora é vista pelos defensores do determinismo como uma necessidade.
            Ou seja, essa necessidade seria um conjunto de regras, uma espécie de dever no qual todos os homens estariam submetidos. O determinismo então é antes de tudo um princípio universal, que comandaria todas as formas do agir e do pensar dos homens, uma predeterminação da natureza, tanto biológico como social.
            [...] o determinismo é uma doutrina filosófica que implica a negação do livre arbítrio e segundo a qual tudo, no universo, inclusive a vontade humana, está submetido à necessidade. O principio do determinismo é universal segundo o qual todos os fenômenos naturais ou sociais estão ligados por relações invariáveis ou leis [...] (Japiassú, p. 71).
            É importante esclarecer que não se trata de uma força externa, uma força divina que comandaria nossas ações, mas sim um conjunto de circunstâncias que nos fazem agir da maneira que agimos. Podemos então afirmar que um conjunto de acontecimentos, nos fará tomar determinadas atitudes, porém essas atitudes jamais podem ser consideradas como escolhas, pois nós agimos de acordo com as leis e fatos que antecederam nossa ação, ou seja, que essas leis são os pressupostos básicos que determinam as condições do homem em sociedade, e são orientadas fundamentalmente para o bem do todo, fazem parte de um processo histórico de desenvolvimento regulamentado e dirigido pela razão.
            Outro ponto que precisa ser esclarecido é a questão relacionada à definição do destino, e principalmente distinguir ele em relação ao determinismo. O que sabemos inicialmente é que ambos o destino e o  determinismo negam a liberdade do indivíduo.
            [...] Destino ou fatalismo é uma doutrina de que a ação humana não tem influência sobre os acontecimentos [...] (Blackburn, p. 71). Ou seja, isto quer dizer não importa aquilo que eu faça ou pretenda fazer, minha ação não mudará nenhum acontecimento de minha vida.
            A palavra destino vem do latim destinare: fixar, determinar com antecipação (Japiassú, p. 70), ou seja, as coisas que acontecem ou vão acontecer fazem parte de uma espécie de um livro onde o autor sabe, planeja, e destina o rumo da história das personagens de sua obra.
            O destino pode ser entendido então como uma força superior, uma entidade que traça todos os acontecimentos, os rumos que ocorrerão em nossas vidas, e também todo o percurso e transcorrer da história tanto do indivíduo como de toda a humanidade.
            A questão do destino surge na Grécia antiga por meio de uma escola filosófica que ficou conhecida como estoicismo, essa escola afirmava que os indivíduos seriam felizes caso aceitassem e vivessem de acordo com uma ordem determinada, ou seja, deveriam aceitar e amar aquilo que o destino lhe determinou.
            [...] Os estóicos acreditavam na existência de um universo ordenado e harmonioso, que é composto de uma matéria e de um principio ativo, racional e inteligente (o chamado logos), que permeia, anima e conecta todas as suas partes [...] (Cotrim; Fernandes, p.22).
            Acreditar no destino, é acreditar na incapacidade do homem em tomar decisões, em não responsabilizá-lo por erros de conduta, acreditar no destino significa também negar toda a potencialidade e capacidade humana de construir e modificar o meio em que vive. Quando acreditamos na existência do destino fazemos do ser humano um mero fantoche, um instrumento que é meramente manipulado por uma força superior que traçou toda a sua história conforme seus caprichos e vontades.
            Imaginemos a seguinte situação: A partir de hoje por meio de um processo seja lá qual for, uma revelação divina, uma imposição governamental, enfim algo que nos faça acreditar na existência do destino, a partir desse momento não seria mais possível sermos responsabilizados por nada. Essa situação seria muito bem aproveitada pelos advogados que conseguiram absolver todos os clientes, pois bastaria argumentar que foi por influência e determinação  do destino que seu cliente cometeu um homicídio por exemplo.
            Dessa forma podemos concluir que tanto o destino quanto o determinismo defendem a ideia da necessidade, para todos os acontecimentos da vida humana, enquanto o destino afirma que essa necessidade se dá por meio da vontade de um ser superior que traça literalmente os destinos de todos os homens conforme aquilo que ele predeterminou. Já o determinismo seria uma diversidade de acontecimentos, e fatos anteriores, fazem com as ações  que  os homens pretendem realizar determinarão a sua forma de agir em qualquer momento de sua vida.
            Existem diversas formas de buscarmos uma conceituação sobre liberdade, mas é necessário entender que se trata de um tema amplo de difícil solução, entre os vários sentidos atribuídos a liberdade temos: a liberdade em sentido político, à liberdade no sentido ético, do ponto de vista filosófico, liberdade de pensamento e de expressão, liberdade de imprensa, além é claro os conceitos de liberdade produzidos pelos filósofos só para citar alguns nomes de filósofos que trataram da liberdade: Aristóteles, Santo Agostinho, Kant, Descartes, Hobbes, Locke, Rousseau, Sartre, etc.
            O filósofo francês Jean Paul Sartre, faz uma afirmação que soa estranho para muitas pessoas, ao dizer a seguinte frase: “estamos condenados à liberdade”. Como podemos entender a liberdade como uma condenação? Sartre responde da seguinte forma:
            É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo aquilo que ele fizer. (O existencialismo é um humanismo p.9)
            Sartre faz parte de uma corrente filosófica denominada existencialismo, essa corrente afirma que não existe uma essência humana, mas sim uma existência humana. Essa existência humana ocorre por meio da relação do homem consigo mesmo, e ao mesmo tempo a relação desse homem com outros homens.
            Segundo Sartre o ser uma humano não possui uma essência definida, pois o os homens estão em constante construção, não existe um ser pronto, acabado e definido. Se o homem fosse um ser pronto e definido por meio de uma essência ou uma determinação da natureza ou de um ser divino, este homem não possuiria liberdade e não teria consciência de suas ações.
            Para Sartre todos os indivíduos serão sempre livres. Mesmo existindo segundo Sartre um conjunto de condicionamentos e determinações que ocorrem na vida de todos nós, mesmo assim seria possível a todos os homens por meio da escolha individual superar os limites e condicionamentos sociais, políticos e econômicos que a vida em uma sociedade condiciona ao indivíduo.
            Segundo Sartre a liberdade é a possibilidade de escolha, e por meio das escolhas realizadas por nós, iremos construir a nós mesmos, e por meio dessas escolhas seremos sempre responsáveis por todas as nossas ações.
            [...] As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã – ou senhor feudal ou proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de lutar, de viver com os outros e de ser mortal. [...] (O existencialismo é um humanismo, p. 16).
            Sartre também afirma que para serem livres os indivíduos precisam lutar pela liberdade do outro, ou seja, para que exerça minha liberdade, é preciso garantir a liberdade aos outros, e essa liberdade deve ser mediada pela razão. “A liberdade é uma questão que está intimamente ligada à ética. A liberdade será ética quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada pela razão”. (Chauí, Introdução a Filosofia p. 290).
             Temos aqui um impasse, se a liberdade está relacionada com a capacidade que os indivíduos têm de escolher de maneira consciente sobre suas ações e decisões referentes à sua vida, e em sua relação com os outros membros que compõe a sociedade, como podemos entender que as maiorias das pessoas ainda entendam a liberdade como a possibilidade de realizar tudo aquilo que se deseja. Como podemos afirmar desta maneira que somos indivíduos livres, devemos agir de forma consciente ou agir de acordo com os nossos impulsos?
A questão da liberdade é importante que se diga que envolve um conjunto de conceitos filosóficos, entre eles podemos citar a moral, a ética, o direito, a justiça, a religião, a política. Enfim a liberdade esta relacionada com todo o processo de construção da história da humanidade, ou seja, a liberdade enquanto conceito filosófico é uma busca de aperfeiçoamento do convívio entre os indivíduos.
            O presente artigo tem como objetivo realizar uma discussão que possibilite ao leitor entender de forma mais específica um dos conceitos da filosofia que ao longo de sua história levantaram uma diversidade de debates e questionamentos, afinal de contas podemos ser livres dentro de uma sociedade que limita a ação dos indivíduos por intermédio das leis?
            A sociedade moderna ao longo da história criou ferramentas que condicionam e penalizam as ações dos indivíduos que descumpram com o conjunto de leis elaboradas pelo Estado, essas leis visam um melhor relacionamento com os membros que compõe a sociedade oferecendo a nós cidadãos membros do Estado às condições necessárias para um convívio pacifico.  No entanto as leis elaboradas pelo Estado são vistas por muitos como um impedimento da ação livre dos indivíduos. Fica então a pergunta: as leis são necessárias para a existência da liberdade, ou elas impedem a realização da liberdade?
            Ao longo da história da filosofia surge uma corrente que ficou conhecida como Contratualista. O contratualismo é uma corrente filosófica que durante os séculos XVI e XVIII e defende a ideia de que em um determinado momento histórico os homens em comum acordo devido a um conjunto de necessidades, resolveram criar o Estado ou dito de outra forma a sociedade moderna, neste contrato os homens elaboram um conjunto de leis que restringe suas liberdades individuais em troca de uma vida segura em sociedade.
            Os principais representantes desta corrente filosófica são: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Neste artigo vou trabalhar com os conceitos de liberdade defendidos por Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau.

2.      Hobbes e o estado de natureza:
            O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) vive no século XVII, esse período é marcado na Inglaterra por uma intensa luta política, entre dois grupos políticos opositores, os monarquistas que defendiam o poder absoluto dos reis, e o grupo dos parlamentares que defendia a ideia de que fosse instaurado na Inglaterra um poder constitucional. A posição do filósofo Hobbes é a de assumir e defender a posição absolutista do poder.
             Muitos consideram Thomas Hobbes como o primeiro grande filósofo contratualista da era moderna. Seus escritos políticos procuram realizar uma definição da natureza dos homens. A forma como Hobbes entende a natureza humana choca e gera critica por parte de seus opositores, pois segundo ele os homens diferentemente do que defendia Aristóteles em sua obra A política, não possuem uma natureza social, muito pelo contrário para Hobbes, os homens são seres insociáveis, ou seja, não são capazes de viver em sociedade de maneira pacífica.
            Muitos já ouviram em algum momento de suas vidas a seguinte frase “O homem é o lobo do homem” nesta frase o filósofo inglês mostra claramente como ele entende o comportamento do homem em sua vida em sociedade, ou seja, Hobbes vê o homem como um autêntico predador, aquele que devorara literalmente o seu próximo para objetivar seus desejos.
             Ao afirmar que o homem não é capaz de viver em sociedade, Hobbes faz uma análise histórica, afirma que ao analisar o comportamento do homem em qualquer período histórico perceberemos que o homem vive em guerra constante com o seu semelhante. Essa visão, ou melhor, essa análise do comportamento antissocial do homem nos é mostrada por Hobbes em duas de suas grandes obras políticas Do Cidadão (1642) e na obra que é considerada por muitos como a principal obra de Hobbes, o livro Leviatã (1651).
            Para entendermos a necessidade da criação do Estado defendida por Hobbes se faz necessário que entendamos primeiramente, como esse autor compreendia a vida dos homens antes da criação do Estado, como o homem defendia seus direitos, como buscavam a satisfação de seus desejos, enfim como era estabelecido o conjunto de suas relações sociais.
            Assim como Locke e Rousseau, Hobbes defendia a ideia de que antes da vida em sociedade por intermédio do estado, todos os homens viviam naturalmente sem a existência de nenhuma forma de organização política, isto quer dizer na definição dos autores contratualistas que homens viviam no que eles denominaram por estado de natureza.
            Dessa forma podemos entender a definição de estado de natureza:
             É o estado dos seres humanos fora da sociedade civil, utilizados por filósofos como Hobbes, Locke e Rousseau, para elucidar o que é explicado pela convenção, e o que justificado para cada uma delas. Para Hobbes o, estado de natureza é uma guerra de todos contra todos, e a vida do homem é “solitária, pobre e sórdida, bruta e curta”. A sociedade se justifica como remédio para esse terrível estado. (Blackburn, p.127).
            É importante ressaltar que esses três autores divergiram entre si sobre a postura, ou melhor, dizendo a forma de conduta dos homens dentro do estado de natureza.  O importante aqui é fazer entender que ambos afirmam que os homens no estado de natureza possuíam a plena liberdade para decidir o direcionamento de sua vida sem qualquer impedimento.
             O filósofo Renato Janine Ribeiro* em um artigo para o livro Os clássicos da política afirma que Hobbes não defendia a ideia de que os homens em estado de natureza viviam de forma isolada e muito menos eram selvagens, muito pelo contrário o homem que vive no estado de natureza é o mesmo homem que vive em sociedade. No mesmo artigo Renato Janine Ribeiro afirma que para Hobbes não existe a história entendida como transformando o homem, ou seja, os homens não mudam naturalmente conforme o período histórico.
            A principal critica de Hobbes em relação ao estado de como já citado acima se dá pela forma de igualdade dos homens, que para Hobbes é considerado um problema, nas palavras do próprio Hobbes:
            [...] A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou espírito mais vivo que o outro, mesmo assim quando se considera tudo em conjunto, a diferença, entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer beneficio a que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem a força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com os outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. (Leviatã, cap. XIII).
3.      As ações e os valores do homem
            Segundo Hobbes os homens são movidos no mundo em qualquer época histórica para a conquista e satisfação de seus desejos, e dessa forma se aproximam e consideram como bom àquilo que desejam, e é claro vão se afastar daquilo que não tem interesse, ou seja, daquilo que consideram mal. Assim podemos concluir que em qualquer sociedade, inclusive a nossa, todos os homens buscam incessantemente o prazer, e fogem de forma intensa daquilo que lhes causa dor.
            Hobbes afirma que não existe entre os homens um valor universal entre o bem e o mal, isto quer dizer que os homens definem os valores entre bem e mal de maneiras e formas diferentes, o que faz os homens definirem esses valores da forma que mais lhe convém. Ou seja, o homem no sentido hobbesiano é um ser puramente egoísta, que busca antes de mais a conservação de sua vida, conservando a sua vida poderá alcançar a satisfação dos seus desejos, e dessa forma ele vê o seu próximo como um concorrente que precisa ser vencido.
            Se não há lei que me impeça de realizar tudo aquilo que eu desejo, se todos os homens possuem liberdade para fazer o bem entendem, podem utilizar de qualquer meio para satisfazer seus desejos, o que fazer quando dois ou mais indivíduos desejam o mesmo objetivo, como determinar o que pertence a ele por direito, já que a falta de uma regulamentação colocam os valores de bem e de mal são meramente consideradas relativas.
            Como nos mostra Hobbes:
            Da igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos o nossos fins. Portanto se dois homens almejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que é impossível ela ser gozada por ambos eles se tornam inimigos. (Leviatã cap.XIII).
            Hobbes entende que a liberdade tem como significado a ausência de impedimentos referentes á movimentação humana, onde é permitido aos indivíduos praticarem todas as coisas possíveis para conservação de sua vida, já que no estado de natureza como foi dito os homens vivem em uma guerra generalizada. Essa ausência de impedimentos é segundo Hobbes causadora dos atos violentos que os indivíduos cometem entre si, dessa forma a liberdade existente no estado natural dos homens é que o coloca em estado de guerra.
            [...] O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento ou razão lhe indiquem como meio adequados a esse fim. [...] (Leviatã, cap. XIV, p. 78).
            Dessa forma ao analisarmos qualquer sociedade perceberemos segundo Hobbes que a motivação do homem se dá pela busca da virtude e da glória, ou seja, o homem busca ser reconhecido por suas ações. Porém esse reconhecimento de suas ações pela glória é uma mera satisfação dos prazeres, e não uma virtude, pois o homem para Hobbes é eternamente dominado por suas paixões.
            Para Renato Janine Ribeiro Hobbes pede um exame da consciência: “conhece-te a ti mesmo”. Estamos carregados de preconceitos, acha Hobbes, que vem basicamente de Aristóteles de da filosofia escolástica medieval. Mas o mito de que o homem é um ser sociável por natureza nos impede de identificar onde está o conflito, e de contê-lo. A política só será uma ciência se soubermos como o homem é de fato, e não na ilusão; é só com a ciência política será possível construirmos Estados que se sustentem em vez de se tornarem permanentemente a guerra civil. (Os clássicos da política, p.58).
            Segundo Hobbes essa situação vai gerar um estado de desconfiança, pois todos os homens enxergarão os outros homens como inimigos ou potenciais inimigos. Se todos são inimigos um dos outros, o medo tomará conta de todos os homens, esse medo levará a todos os homens defenderem aquilo que acreditam ser seu por direito, e ao mesmo atacar aqueles que considera serem seus inimigos, pois se não o fizer, o seu inimigo o fará, ou seja, atacará e destruirá sua vida.
            Para por fim a esse constante perigo a vida de todos os homens, Hobbes afirma que os viram a necessidade elaborar a criação de um corpo artificial, que seria incumbido de garantir a paz e a segurança de todos os homens, esse corpo artificial seria o Estado civil.
            Hobbes defende a ideia que a sociedade civil por meio de um conjunto de leis elaboradas de forma racional, vai oferecer aos indivíduos a garantia da segurança a todos os membros de sua sociedade. A sociedade civil então acabará com o estado de guerra generalizado que o homem vive em seu estado natural, para que os homens tenham direito a preservação de sua vida, que seria garantida pelo Estado, eles deveriam primeiramente em comum acordo renunciar a sua liberdade natural e transferi-la a um terceiro, ou seja, o Estado que seria representado na figura do soberano que teria plenos poderes sobre a vida dos demais membros da sociedade.
            Hobbes então afirma que todos os homens devem renunciar a sua condição de natureza, por meio desta renuncia criar um conjunto de leis que os impeçam de cometer o mal para outros homens. Para Hobbes a sociedade política é um contrato estabelecido entre os indivíduos, esse contrato dará a todos os homens a garantia de gozarem de suas conquistas, sem que outro venha retirar aquilo que lhe pertence.
            É importante também destacar que Hobbes difere o direito de natureza com as leis de natureza. Qual seria então a diferença entre direito de natureza e leis de natureza?
            Como vimos anteriormente o direito de natureza corresponde a um conjunto amplo de liberdade que todos os homens possuem já o direito de natureza possui um conjunto de regras que limitam, ou seja, proíbem os homens de agir como bem entendem.
            Por meio de um conjunto de leis, que seriam comuns a todos os homens, seria estabelecido uma espécie de valores morais, que mostrariam de forma clara todas as coisas que poderiam ou não ser realizadas pelos membros da sociedade.
            Bom será que basta apenas firmarem um contrato, definir o que é bom, o que é mal, para que os homens passem a agir de maneira adequada? Será que todos os homens respeitariam o contrato? 
            Hobbes afirma que o medo de perder a sua vida fez com que os homens aceitassem perder a sua liberdade natural e a trocarem pela segurança de suas vidas, se é medo que faz com que os reflitam melhor sobre suas ações, e concedam sua liberdade a um terceiro, então será o medo que os fará respeitarem contrato por eles firmado com o Estado. Renato Janine Ribeiro aponta que:
            Mas esse Estado hobbesiano continua marcado pele medo. Veja-se a capa da primeira edição do Leviatã (1651), que mostra um príncipe, cuja armadura é feita de escamas que são os súditos, brandindo ameaçadora espada. Ou veja-se o próprio nome Leviatã, que é de um monstro bíblico, que aparece no livro de Jó. Hobbes diz: o soberano governa pelo temor (awe) que inflige a seus súditos. Porque, sem medo, ninguém abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte violenta, que homem renunciaria ao direito que possui, por natureza, a todos os bens e corpos? (Os clássicos da política, vol.1. p. 71).
            O estado de Hobbes é então definido como uma forma de poder político, que estabelece regras que orientam nossa conduta, quem descumprir esse conjunto de normas deve ser punido severamente pelo soberano, já que esse poder foi concedido a ele por meio do contrato. Dessa forma o medo citado acima por Renato Janine Ribeiro só sentido e temido pelos homens que descumprem as leis.
            No contrato social hobbesiano o Estado é instituído quando:
            Estado instituído é quando uma multidão de pessoas concorda e pactua que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a vontade de todos eles – ou seja, de ser seu representante - todos sem exceção, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal se  como fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes dos homens.
            Deste Estado instituído derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido (Leviatã, cap. 18 p. 132)
            Outra característica importante do Estado defendido por Hobbes diz respeito à submissão de todos os membros da sociedade a vontade do soberano. Já que fazemos parte de um único corpo representado simbolicamente na figura do Leviatã, onde todos os corpos (escamas) representam todos os súditos. Então podemos concluir que aquela cabeça, com a coroa representa o soberano, que seria a cabeça do Estado, cabendo ao soberano decidir por todos.
            Para Hobbes a vontade do soberano é a vontade de todos os membros da sociedade, já que o contrato que criou o Estado determina que todos os homens devessem renunciar suas vontades a uma única vontade, ou seja, a vontade do soberano.
            Mas o poder do Estado tem de ser pleno. O Estado medieval não conhecia o poder absoluto, nem soberania – os poderes do rei eram contrabalançados pelos da nobreza, das cidades, dos parlamentos. Jean Bodin, no século XVI, é o primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano, isto é, um foco de autoridade que possa resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa ideia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado. (Os clássicos da política vol. 1, p.).
             Assim como todas as teorias políticas apresentadas na história, a teoria hobbesiana de Estado tem seus interesses particulares. É preciso entender aqui que o interesse de Hobbes em defender um Estado com as características por ele apresentadas tanto no livro Do cidadão, quanto no Leviatã se devem a sua posição política que é a monarquia, ou seja, Hobbes é movido também por suas paixões e desejos quando defende sua teoria de Estado.
            Todos os homens são realmente movidos por paixões, e apesar das críticas em relação a o Estado absolutista hobbesiano, uma coisa temos que concordar, a forma como os homens agem no mundo precisa ser repensada, pois percebemos claramente que os problemas de desigualdade do mundo não são de responsabilidade dos sistemas políticos, econômicos ou religiosos, esses sistemas são apenas nomes, e todos eles foram e serão criados pelos homens.
4.      Rousseau e o estado de natureza.
             O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), é sem sombra de dúvidas um dos grandes nomes da Filosofia Moderna. Seus escritos são de fundamental importância para compreendermos o período histórico no qual ele viveu. Suas contribuições também nos permitem entendermos e refletirmos sobre os avanços e retrocessos da concepção da política, da liberdade, da moral, enfim dos direitos e deveres dos indivíduos através da história.
            Rousseau nasceu na cidade suíça de Genebra e se mostrou um forte opositor da Monarquia absolutista existente na França, ou seja, o Antigo Regime. Rousseau afirmava que esta forma de governo dava permissão aos governantes, a possibilidade de se tornarem déspotas, e ao mesmo tempo estabelecerem governos tirânicos.
            Rousseau é um filósofo contratualista e nos mostra em sua concepção política diferenças entre os teóricos dessa corrente que o antecederam, principalmente em relação a Thomas Hobbes.
             Assim como Hobbes Rousseau defendia a ideia da existência de um estado de natureza humana que antecedeu o estado civilizado do homem moderno, como vimos anteriormente esse estado de natureza não uma validade histórica, os estado representa uma condição hipotética do homem. Vejamos agora algumas diferenças entre esses dois autores no que se refere à condição humana no hipotético estado de natureza.
            O estado de natureza apresentado por Rousseau tem diferenças fundamentais quando comparado ao estado natural dos homens apresentado por Hobbes. Como vimos anteriormente o filósofo inglês apresenta o homem em estado de natureza como um individuo que traz em sua essência qualidades extremamente negativas.
             Rousseau não enxerga o homem natural como um indivíduo que tenha uma essência egoísta, ou que seja agressivo, na o entende o homem em seu estado natural como um indivíduo corrompido, e principalmente não o entende como um indivíduo que vive apenas para a satisfação de seus desejos. Muito pelo contrário Rousseau entendia o homem em seu estado de natureza como um indivíduo que possuía qualidades positivas, ou seja, um indivíduo que desde o seu nascimento traz consigo uma forma de consciência moral, dever e respeito, ou seja, as características positivas defendidas por Rousseau são características inatas  aos homens.
            Podemos então afirmar que a principal diferença entre o estado de natureza defendido por Rousseau em relação ao estado de natureza hobbesiano está relacionada ao comportamento do homem e de suas relações com os demais homens, e principalmente a negativa de Rousseau de que o homem no estado de natureza seja egoísta, selvagem, violento e que se destrua mutuamente, pois este vive em um eterno estado de guerra.
            Segundo Rousseau essas características descritas por Hobbes correspondem ao comportamento do homem civilizado. É o homem da sociedade civilizada que vive nesta situação, é o homem civilizado que a cada dia é mais impulsionado e influenciado pelos vícios, pelo egoísmo e principalmente chama da acumulação, defendida e ensinada na sociedade civil, tornando o homem cada vez mais corrompido pelos seus desejos e interesses privados.
            Segundo Rousseau os homens nascem bons, livres de quaisquer desejos que visem o mau aos demais. Os aspectos negativos dos homens como a vaidade, o egoísmo, a forma violenta e agressiva pela qual os homens se comportam é fruto da sociedade civilizada.
            Essa visão de um homem natural com qualidades positivas defendida por Rousseau, nos mostra a condição de natureza humana, como uma forma de vida “perfeita”, uma espécie de paraíso que os homens viviam e que foi esquecido e destruído pela sociedade civilizada, essa maneira de entendimento do comportamento dos homens faz surgir à ideia defendida por Rousseau do mito do bom selvagem.
            Quando a questão da bondade do homem é tratada na obra de Rousseau, devemos entender que ela tem como base a comiseração, ou seja, a compaixão pelos demais homens, que segundo ele precede a reflexão racional. Rousseau entende, ou seja, define a ideia de bondade como uma espécie de identificação que faz parte da natureza humana e que esta está presente em todos os homens.
            O que Rousseau pretende ao demonstrar e estabelecer uma definição de natureza humana, baseada em pontos como o direito natural e o comportamento dos homens antes da sociedade civil, é justamente o de como nós seríamos se não fossemos desde o nosso nascimento moldados pelas regras da sociedade.
            É necessário entendermos aqui que a bondade natural, não é definida por Rousseau como a possibilidade de realizar escolhas morais, isso porque, para realizar uma escolha moral é preciso à construção de valores que regulem as formas de comportamento dos indivíduos, esses valores morais não eram conhecidos pelo homem em seu estado de natureza.
            Podemos então concluir que os indivíduos que vivem em estado de natureza, são indivíduos amorais, ou seja, indivíduos que desconhecem as formas, as regras e princípios de conduta e principalmente os valores tão discutidos ao longo da história como bem e mal.
5.      Rousseau: A sociedade civilizada e a desigualdade entre os homens:
            Essa ideia de que o homem é corrompido pela sociedade é apresentada por Rousseau em 1750, quando participando de um concurso, promovido pela Academia de Dijon, na França escreve uma dissertação que tinha como tema a seguinte questão: As ciências e as artes trouxeram melhorias para a vida dos homens?
            Em sua dissertação que recebeu o nome de Discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau responde a essa questão de forma negativa, afirmando que os avanços obtidos pela sociedade civilizada não trouxeram os avanços e melhorias necessários à vida dos homens, temos aqui nessa tese a antecipação das criticas de Rousseau a respeito da vida em sociedade.
            As criticas de Rousseau são endereçadas as “sociedades civilizadas”, que segundo o autor trouxeram prejuízo aos homens, pois, segundo ele a sociedade com todo o avanço tecnológico e científico, retirou dos homens sua essência de bondade e principalmente aprisionaram e escravizaram os homens.
            O desenvolvimento da civilização segundo Rousseau trouxe para o homem ao invés do progresso a decadência e, portanto a tarefa da filosofia é libertar o homem das cadeias impostas pela civilização, devolvê-lo à primitiva liberdade. (Nicola, p.305).
            Uma das principais obras de Rousseau trata justamente da forma como a sociedade civilizada corrompeu os homens, nesta obra ele desenvolveu uma crítica severa a desigualdade existente na sociedade civilizada, a obra em questão recebeu o titulo de: Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens.
             Nesta obra Rousseau tem como objetivo principal responder, ou seja, definir o que faz realmente consolidar a desigualdade entre os homens, procurando desmistificar a ideia de que a desigualdade social esteja ligada ou justificada pela sua desigualdade natural, ou seja, as características físicas, sexuais,as relacionadas as juventude e velhice, etc.
            Segundo Rousseau existe dois tipos de desigualdades assim defendidas por ele em seu Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens:
            Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito de da alma; a outra a que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou pelo, menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízos de outros, como o de serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles.(p.51)
            É conhecida a afirmação de Rousseau a respeito da criação da sociedade civilizada, se deu por meio do aparecimento da propriedade privada. A partir desse momento o vínculo que existia entre o homem natural e sua natureza se rompeu, e o homem começa a viver sob a orientação das regras da vida civilizada.
             Com essa vida civilizada os homens passaram a ter contato e conhecimento com os sentimentos mais mesquinhos, egoístas e de qualidade cada vez mais corrompida, e principalmente os homens que perdem o amor de si enquanto seres de uma mesma espécie, e passam a possuir apenas o amor-próprio.
            Para Rousseau a propriedade privada, seria uma forma de realização do homem onde ele concretizaria suas paixões, realizaria tudo aquilo de deseja, e principalmente iria manifestar toda a sua vaidade e cobiça e isto tudo resultaria na desigualdade existente entre os homens.
            Segundo Rousseau:
            O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: “Isto é meu”, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e mortes, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso tivesse gritado aos seus semelhantes: “Guardai-vos desse imposto; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todo, e que a terra é de ninguém!”. (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens).
            Segundo o filósofo Danilo Marcondes: Rousseau analisa as origens do mal social através de uma crítica da organização da sociedade e do abuso da técnica e dos artifícios que afastam o ser humano da vida natural. Rousseau defende uma natureza humana originária, caracterizada pela liberdade, pelo instinto de sobrevivência e pelo sentimento de piedade. A visão do “bom selvagem” como encarnando essas virtudes naturais é utilizada por Rousseau como um instrumento de crítica ao homem civilizado. (Textos básicos de filosofia, p.97).
            Esse homem civilizado segundo Rousseau sempre irá buscar a satisfação de seus desejos, preocupado apenas consigo mesmo, projetando apenas os seus objetivos, pois quer demonstrar aos outros homens a sua superioridade, esta forma de agir do homem civilizado demonstra todo o seu egoísmo, ou seja, o homem civilizado é a total perversão das virtudes existentes no homem natural.
            Outra questão importante nas críticas de Rousseau em relação ao homem civilizado é sobre o processo de consciência do homem, pois quando o homem percebe sua ação transformadora sobre o meio em que vive, e entende que possui a capacidade de transformar a natureza conforme suas necessidades,  eles passam a entender  que são seres superiores aos demais. E tem inicio dessa forma, um processo de dominação da natureza, por meio da criação de ferramentas que facilitaram sua ação no mundo e ao mesmo tempo o domínio do homem sobre a natureza e sobre os demais homens.
            Segundo Rousseau:
            À medida que aumentou o gênero humano, os trabalhos se multiplicaram com os homens. A diferença das terras, dos climas, das estações pôde força-los a incluí-la na sua própria maneira de viver. Anos estéreis invernos longos e rudes, verões escaldantes, que tudo consomem, exigiram dele uma nova indústria. À margem do rio, inventaram a linha e o anzol, e se tornaram pescadores e ictiófagos.  Nas florestas construíram arcos e flechas e se tornaram caçadores e guerreiros. Nas regiões cobriam-se com as peles dos animais que haviam matado. O trovão, um vulcão ou qualquer acaso feliz fez com que conhecessem o fogo, novo recurso contra os rigores do inverno; aprenderam a conservar esse elemento, depois a reproduzi-lo e, por fim, a preparar as carnes que antes devoravam cruas. (Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens; p.88).
            Ainda segundo Rousseau:
            As novas luzes, que resultaram desse desenvolvimento, aumentaram sua superioridade sobre os demais animais, dando-lhe consciência dela. Aplicou-se a preparar armadilhas, revidou-lhes os  ataques de mil maneiras e, embora inúmeros deles o sobrepassem em força no combate ou em rapidez na corrida, daqueles que poderiam servi-lo ou nutri-lo veio a tornar-se, com o tempo, o senhor de uns e o flagelo de outros. Assim, o primeiro olhar que lançou sobre si mesmo produziu o primeiro movimento de orgulho; assim, apenas distinguindo categorias por considerar-se o primeiro por sua espécie, dispôs-se desde logo a considerar-se o primeiro como indivíduo. (Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens; p.88, 89).

            Para Rousseau essa situação de desenvolvimento da técnica, e a produção de ferramentas pelos homens, e principalmente o fato de possuírem consciência dessa superioridade comprovam que a história humana não foi capaz de produzir um progresso na forma do agir do homem, muito pelo contrário ela trouxe a decadência do comportamento, das ideias do respeito ao próximo, dos conceitos e valores morais dos homens.
            Essa situação humana é defendida para Rousseau como a decadência moral: decadência moral é a ideia, sustentada por Rousseau, de que a história não produziu progresso, mas sim um regresso do gênero humano, particularmente do ponto de vista ético. A primeira etapa dessa decadência foi produzida pela introdução da propriedade privada. (Nicola, p.304).
           
6.      Rousseau a liberdade e a vontade geral
Rousseau em suas obras tem como tema fundamental a liberdade e os direitos dos homens em sua em sociedade. Em suas obras o autor procura justificar e demonstrar os motivos e os fatores que levaram os indivíduos a perderem sua de condição liberdade, e ao mesmo tempo o que devem fazer para recuperar a liberdade perdida.
            Para uma melhor definição a respeito, Marilena Chauí afirma que:
            Em todas as obras de Rousseau, os processos educativos, tanto quanto as relações sociais, são sempre encarados do ponto de vista centralizado na noção de liberdade, entendida por ele como dever e direito ao mesmo tempo: “todos nascem homens e  livres”; a liberdade lhes pertence e renunciar  a ela é renunciar à própria qualidade de homem.
            No início de seu livro Do contrato social afirma:
            O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles.  Como veio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver essa questão. (Jean Jacques Rousseau. Do Contrato Social, p. 53).
            Rousseau tem como objetivo explicar o porquê da existência da desigualdade, e como já citado anteriormente ele responsabiliza a sociedade civil como a principal causadora das diferenças entre os homens, porém é importante esclarecer que mesmo criticando as estruturas das sociedades, Rousseau não se opõe totalmente a sociedade civilizada, o que ele propõe é uma reforma nas estruturas da sociedade.
Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade. (caderno do professor, filosofia ensino médio 3 ªsérie volume 2 p.44).
Para por fim a esse conjunto de injustiças que ocorrem na sociedade civilizada, Rousseau nos mostra que é necessário que seja estabelecido um contrato entre os homens, que tenha como principal objetivo estabelecer uma forma de governo que tenha como principio fundamental o bem comum.
Com o estabelecimento do contrato as ideias de direito do mais forte, e da escravidão não terão mais validade, pois segundo Rousseau:
O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando a sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte – direito aparentemente tomado com ironia e na realidade estabelecido como principio. Jamais alcançaremos uma explicação a essa palavra? A força é um poder físico; não imagino que a moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força constitui ato de necessidade, não de vontade; quando muito, ato de prudência. Em que sentido poderá representar um dever? (Do contrato social, cap.III, P. 59).
Segundo Rousseau esse contrato não deve ser estabelecido pelo medo ou pela força, muito menos pela submissão a qualquer homem. Rousseau afirma que por meio do contrato os homens tem o dever de obedecer às leis, porém essa obediência não será fruto de uma submissão, mas sim fruto de uma convenção entre os homens, essa convenção, realizada por meio do pacto entre os homens, esse pacto entre os indivíduos e a sociedade, faz com que a vontade de todos seja entendida  como sua vontade.
O homem segundo Rousseau não pode de nenhuma maneira negar sua liberdade, a nenhum outro homem, ou a qualquer forma de governo por meio de força ou da submissão, pois para Rousseau o homem que nega sua liberdade:
Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. Não há recompensa possível para a quem tudo renuncia. Tal renúncia não se compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntariamente de toda e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidade de suas ações. Enfim, é uma inútil e contraditória uma convenção a que, de um lado estipula uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites. (Do contrato social, cap.V, p, 62).
O Contrato social de Rousseau defende uma proposta de cunho político que tem como foco central uma ligação entre a natureza humana e a sociedade civilizada a partir do conjunto de convenções morais construídos pelos homens, ou seja, essa ligação seria a base fundamental da estrutural social desse contrato, que irá proporcionar aos homens a construção e realização de sua humanidade.
Segundo a teoria do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos membros da sociedade. O fundamento dessa soberania é a vontade geral, que não resulta apenas na soma da vontade de cada um. A vontade particular e individual de cada um diz respeito aos seus interesses específicos, porém, enquanto cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum. É papel da educação a formação dessa vontade geral, transformando assim o individuo em cidadão, em membro de uma comunidade. (Marcondes, p.201).
Essa nova construção social e humana do homem, trará aos homens uma compreensão de que ele vive em sociedade, e que se faz necessário que o seu conjunto de relações sociais, precisam ser modificadas, os aspectos individuais e conquista pessoal, devem ser adequados, ou melhor, adaptados ao conjunto de interesses da sociedade como um todo, isto quer dizer, entender que deve prevalecer em qualquer sociedade é o aspecto coletivo.
É-nos apresentado aqui o principal aspecto do Contrato social de Rousseau, a ideia da vontade geral, os homens devem guiar suas ações, seus objetivos, devem estar relacionados e ligados à vontade gerais do corpo político e da sociedade da qual este indivíduo pertence.
O que vem a ser vontade geral? Para Rousseau a vontade geral não representaria apenas como a vontade da maioria, a vontade geral seria para ele a identificação do indivíduo com o corpo social do qual pertence, a vontade geral não significa apenas a somatória de vontades, não seria apenas quantitativa, mas sim qualitativa. A vontade geral seria, portanto uma partilha de interesses do corpo político do qual fazemos parte.
No contrato social Rousseau define que o pacto social entre os indivíduos da seguinte forma:
“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível de um todo”. (Do contrato social p. 71).
Dessa forma podemos entender que por meio do contrato ou pacto social os indivíduos devem submeter suas vontades individuais á vontade geral. Os indivíduos como membros de uma determinada sociedade seja ela qual for não está sujeito a nenhuma vontade individual, isto quer dizer que não devem obediência a nenhum homem que queira impor pela força física, política, religiosa, a sua vontade e domínio sobre os demais homens.
Esse contrato estabelece que cada cidadão tenha como obrigação respeitar as leis da sua comunidade política, essas leis por sua vez para serem respeitadas devem também atender representar a vontade geral.
Para Rousseau o respeito às leis, é o respeito da vontade do corpo político, que significa respeitar a vontade geral e consequentemente a conquista do bem comum e ao mesmo tempo a garantia de sua liberdade, pois para Rousseau ao obedecermos às leis, que representam a vontade geral estamos seguindo a nós mesmos, isto significa que somos seres moralmente livres.
Rousseau afirma nesse contrato algo de fundamental importância para entendermos de fato o valor e o verdadeiro sentido da palavra democracia, já que para ele a soberania política pertence ao povo, e não ao governo muito menos ao governante, esta soberania política é segundo Rousseau é um direito inalienável, ou seja, a soberania política não pode ser retirada do povo, ela é um direito efetivo.

Portanto essa forma de poder soberano ao povo representa, que essa sociedade imaginada e defendida por Rousseau, seria o renascimento de sociedade que perdera suas características iniciais, nela todos participam do poder político de forma efetiva, esse poder do povo, não pode e não será destruído, mas para que isso ocorra os homens precisam entender que fazem parte de um corpo político onde a liberdade só será garantida enquanto ele entender que seus interesses individuais de menor importância do que o interesse coletivo.   

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