Liberdade um direito ou um obrigação
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Milton Fabiano
da Silva
Liberdade
um direito ou uma obrigação?
São Paulo
2012
Milton Fabiano
da Silva
Liberdade
um direito ou uma obrigação?
Trabalho
elaborado para obtenção de título de especialista em Ensino de Filosofia sendo apresentada
a Universidade Estadual Paulista
Orientador:
Prof. Sinésio Ferraz Bueno
São Paulo
2012
|
Autorizo
a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada à
fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Milton
Fabiano da Silva
Liberdade um direito ou uma obrigação?
São
Paulo, 2012.
Nº de páginas p.
Orientador: Sinésio Ferraz Bueno
Redefor/UNESP
Liberdade direito ou uma obrigação.
Projeto realizado para obtenção do título de
especialista em Ensino de Filosofia apresentado a Universidade Estadual
Paulista
Orientador:
Prof. . Sinésio Ferraz Bueno
Aprovado em: _____/_____/______
Banca examinadora:
Prof.:
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Instituição:
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Prof.:
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Instituição:
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Instituição:
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RESUMO
Tratar da questão da liberdade é um
desafio, pois sabemos que existem muitos conceitos e posições divergentes a
respeito do tema referente à liberdade. Em nosso cotidiano são apresentadas
diversas situações que nos fazem refletir sobre qual é a melhor forma de agir e
tomarmos uma decisão correta a respeito de determinadas situações. Quando o
indivíduo tem a possibilidade de decidir sobre suas ações de forma consciente e
sem qualquer pressão externa é a afirmação de que ele possui liberdade. Dessa
forma, então a liberdade estaria relacionada à condição pela qual o homem age
no mundo em que vive, é maneira pela qual ele entende a atribui valores a suas
ações
Palavras-chave:
contratualismo, liberdade, estado de natureza, sociedade, direito, dever.
SUMÁRIO
Filosofia
e contratualismo
Tema: A liberdade como direito ou como
obrigação?
Milton
Fabiano da Silva¹
1.
Introdução:
Tratar da questão da liberdade é um desafio,
pois sabemos que existem muitos conceitos e posições divergentes a respeito do
tema referente à liberdade. Em nosso cotidiano são apresentadas diversas
situações que nos fazem refletir sobre qual é a melhor forma de agir e tomarmos
uma decisão correta a respeito de determinadas situações. Quando o indivíduo
tem a possibilidade de decidir sobre suas ações de forma consciente e sem
qualquer pressão externa é a afirmação de que ele possui liberdade. Dessa
forma, então a liberdade estaria relacionada à condição pela qual o homem age
no mundo em que vive, é maneira pela qual ele entende a atribui valores a suas
ações.
Porém, é possível perceber que a maioria das
pessoas quando buscam uma resposta para a definição da liberdade, entendem e a
definem por meio de uma visão simplista, ou seja, relacionada ao senso comum,
pois as pessoas acreditam que liberdade é a possibilidade de fazer tudo aquilo
que o indivíduo deseja.
Uma das primeiras definições referentes à
liberdade foi produzida por Aristóteles que entendia a questão referente
liberdade como a possibilidade do indivíduo agir conforme a sua própria
vontade. Ser livre é, pois, o mesmo que agir voluntariamente, sendo esta
vontade determinada pelo próprio agente. (Caderno do professor SEE, 3º ano
vol.3 p.18). Esse conceito de liberdade ficou conhecido como libertarismo.
A Liberdade também é definida da seguinte
forma: é a condição daquele que é livre. Sua capacidade de agir por si mesmo.
Autodeterminação. Independência. Autonomia. (Japiassú p. 169).
É importante ressaltar também que
existem correntes filosóficas que afirmam que a liberdade não existe, entre elas
podemos destacar o determinismo e o destino, ambas correntes defendem a tese
que os homens por fatores externos a ele seriam incapazes de mudar suas condições
de vida pela sua própria vontade.
Faz-se necessário neste momento
esclarecer o que vem a ser o determinismo. O determinismo é uma doutrina
filosófica que afirma que todos os acontecimentos do mundo, todo o conjunto de
relações entre os homens, incluindo aqui o comportamento humano, os fenômenos
da natureza, fazem parte de uma causa que lhes antecede, ou seja, existe uma
espécie de plano racional, que regula a vida dos indivíduos, dessa forma a
vontade humana estaria submetida a um conjunto de leis. Essas leis além de
necessárias também são consideradas como leis imutáveis. Esse plano racional,
essa causa antecessora é vista pelos defensores do determinismo como uma
necessidade.
Ou seja, essa necessidade seria um
conjunto de regras, uma espécie de dever no qual todos os homens estariam
submetidos. O determinismo então é antes de tudo um princípio universal, que
comandaria todas as formas do agir e do pensar dos homens, uma predeterminação
da natureza, tanto biológico como social.
[...] o determinismo é uma doutrina
filosófica que implica a negação do livre arbítrio e segundo a qual tudo, no
universo, inclusive a vontade humana, está submetido à necessidade. O principio
do determinismo é universal segundo o qual todos os fenômenos naturais ou
sociais estão ligados por relações invariáveis ou leis [...] (Japiassú, p. 71).
É importante esclarecer que não se
trata de uma força externa, uma força divina que comandaria nossas ações, mas
sim um conjunto de circunstâncias que nos fazem agir da maneira que agimos.
Podemos então afirmar que um conjunto de acontecimentos, nos fará tomar
determinadas atitudes, porém essas atitudes jamais podem ser consideradas como
escolhas, pois nós agimos de acordo com as leis e fatos que antecederam nossa
ação, ou seja, que essas leis são os pressupostos básicos que determinam as
condições do homem em sociedade, e são orientadas fundamentalmente para o bem
do todo, fazem parte de um processo histórico de desenvolvimento regulamentado
e dirigido pela razão.
Outro ponto que precisa ser
esclarecido é a questão relacionada à definição do destino, e principalmente
distinguir ele em relação ao determinismo. O que sabemos inicialmente é que
ambos o destino e o determinismo negam a
liberdade do indivíduo.
[...] Destino ou fatalismo é uma
doutrina de que a ação humana não tem influência sobre os acontecimentos [...]
(Blackburn, p. 71). Ou seja, isto quer dizer não importa aquilo que eu faça ou
pretenda fazer, minha ação não mudará nenhum acontecimento de minha vida.
A palavra destino vem do latim
destinare: fixar, determinar com antecipação (Japiassú, p. 70), ou seja, as
coisas que acontecem ou vão acontecer fazem parte de uma espécie de um livro
onde o autor sabe, planeja, e destina o rumo da história das personagens de sua
obra.
O destino pode ser entendido então
como uma força superior, uma entidade que traça todos os acontecimentos, os rumos
que ocorrerão em nossas vidas, e também todo o percurso e transcorrer da
história tanto do indivíduo como de toda a humanidade.
A questão do destino surge na Grécia
antiga por meio de uma escola filosófica que ficou conhecida como estoicismo, essa escola afirmava que os
indivíduos seriam felizes caso aceitassem e vivessem de acordo com uma ordem
determinada, ou seja, deveriam aceitar e amar aquilo que o destino lhe
determinou.
[...] Os
estóicos acreditavam na existência de um universo ordenado e harmonioso, que é
composto de uma matéria e de um principio ativo, racional e inteligente (o
chamado logos), que permeia, anima e conecta todas as suas partes [...]
(Cotrim; Fernandes, p.22).
Acreditar no destino, é acreditar na
incapacidade do homem em tomar decisões, em não responsabilizá-lo por erros de
conduta, acreditar no destino significa também negar toda a potencialidade e
capacidade humana de construir e modificar o meio em que vive. Quando
acreditamos na existência do destino fazemos do ser humano um mero fantoche, um
instrumento que é meramente manipulado por uma força superior que traçou toda a
sua história conforme seus caprichos e vontades.
Imaginemos a seguinte situação: A
partir de hoje por meio de um processo seja lá qual for, uma revelação divina,
uma imposição governamental, enfim algo que nos faça acreditar na existência do
destino, a partir desse momento não seria mais possível sermos responsabilizados
por nada. Essa situação seria muito bem aproveitada pelos advogados que
conseguiram absolver todos os clientes, pois bastaria argumentar que foi por
influência e determinação do destino que
seu cliente cometeu um homicídio por exemplo.
Dessa forma podemos concluir que
tanto o destino quanto o determinismo defendem a ideia da necessidade, para
todos os acontecimentos da vida humana, enquanto o destino afirma que essa
necessidade se dá por meio da vontade de um ser superior que traça literalmente
os destinos de todos os homens conforme aquilo que ele predeterminou. Já o
determinismo seria uma diversidade de acontecimentos, e fatos anteriores, fazem
com as ações que os homens pretendem realizar determinarão a
sua forma de agir em qualquer momento de sua vida.
Existem diversas formas de buscarmos
uma conceituação sobre liberdade, mas é necessário entender que se trata de um
tema amplo de difícil solução, entre os vários sentidos atribuídos a liberdade
temos: a liberdade em sentido político, à liberdade no sentido ético, do ponto
de vista filosófico, liberdade de pensamento e de expressão, liberdade de
imprensa, além é claro os conceitos de liberdade produzidos pelos filósofos só
para citar alguns nomes de filósofos que trataram da liberdade: Aristóteles,
Santo Agostinho, Kant, Descartes, Hobbes, Locke, Rousseau, Sartre, etc.
O filósofo francês Jean Paul Sartre,
faz uma afirmação que soa estranho para muitas pessoas, ao dizer a seguinte
frase: “estamos condenados à liberdade”. Como podemos entender a liberdade como
uma condenação? Sartre responde da seguinte forma:
É o que traduzirei dizendo que o
homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio;
e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo
aquilo que ele fizer. (O existencialismo é um humanismo p.9)
Sartre faz parte de uma corrente
filosófica denominada existencialismo, essa corrente afirma que não existe uma
essência humana, mas sim uma existência humana. Essa existência humana ocorre
por meio da relação do homem consigo mesmo, e ao mesmo tempo a relação desse
homem com outros homens.
Segundo Sartre o ser uma humano não
possui uma essência definida, pois o os homens estão em constante construção,
não existe um ser pronto, acabado e definido. Se o homem fosse um ser pronto e
definido por meio de uma essência ou uma determinação da natureza ou de um ser
divino, este homem não possuiria liberdade e não teria consciência de suas
ações.
Para Sartre todos os indivíduos
serão sempre livres. Mesmo existindo segundo Sartre um conjunto de
condicionamentos e determinações que ocorrem na vida de todos nós, mesmo assim
seria possível a todos os homens por meio da escolha individual superar os
limites e condicionamentos sociais, políticos e econômicos que a vida em uma
sociedade condiciona ao indivíduo.
Segundo Sartre a liberdade é a
possibilidade de escolha, e por meio das escolhas realizadas por nós, iremos
construir a nós mesmos, e por meio dessas escolhas seremos sempre responsáveis
por todas as nossas ações.
[...] As situações históricas
variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã – ou senhor feudal ou
proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de
lutar, de viver com os outros e de ser mortal. [...] (O existencialismo é um
humanismo, p. 16).
Sartre também afirma que para serem
livres os indivíduos precisam lutar pela liberdade do outro, ou seja, para que
exerça minha liberdade, é preciso garantir a liberdade aos outros, e essa
liberdade deve ser mediada pela razão. “A
liberdade é uma questão que está intimamente ligada à ética. A liberdade será
ética quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada
pela razão”. (Chauí, Introdução a Filosofia p. 290).
Temos aqui um impasse, se a liberdade está
relacionada com a capacidade que os indivíduos têm de escolher de maneira
consciente sobre suas ações e decisões referentes à sua vida, e em sua relação
com os outros membros que compõe a sociedade, como podemos entender que as maiorias
das pessoas ainda entendam a liberdade como a possibilidade de realizar tudo
aquilo que se deseja. Como podemos afirmar desta maneira que somos indivíduos
livres, devemos agir de forma consciente ou agir de acordo com os nossos
impulsos?
A
questão da liberdade é importante que se diga que envolve um conjunto de
conceitos filosóficos, entre eles podemos citar a moral, a ética, o direito, a
justiça, a religião, a política. Enfim a liberdade esta relacionada com todo o
processo de construção da história da humanidade, ou seja, a liberdade enquanto
conceito filosófico é uma busca de aperfeiçoamento do convívio entre os
indivíduos.
O presente artigo tem como objetivo
realizar uma discussão que possibilite ao leitor entender de forma mais
específica um dos conceitos da filosofia que ao longo de sua história
levantaram uma diversidade de debates e questionamentos, afinal de contas
podemos ser livres dentro de uma sociedade que limita a ação dos indivíduos por
intermédio das leis?
A sociedade moderna ao longo da
história criou ferramentas que condicionam e penalizam as ações dos indivíduos
que descumpram com o conjunto de leis elaboradas pelo Estado, essas leis visam
um melhor relacionamento com os membros que compõe a sociedade oferecendo a nós
cidadãos membros do Estado às condições necessárias para um convívio
pacifico. No entanto as leis elaboradas
pelo Estado são vistas por muitos como um impedimento da ação livre dos
indivíduos. Fica então a pergunta: as leis são necessárias para a existência da
liberdade, ou elas impedem a realização da liberdade?
Ao longo da história da filosofia
surge uma corrente que ficou conhecida como Contratualista. O contratualismo é
uma corrente filosófica que durante os séculos XVI e XVIII e defende a ideia de
que em um determinado momento histórico os homens em comum acordo devido a um
conjunto de necessidades, resolveram criar o Estado ou dito de outra forma a
sociedade moderna, neste contrato os homens elaboram um conjunto de leis que
restringe suas liberdades individuais em troca de uma vida segura em sociedade.
Os principais representantes desta
corrente filosófica são: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e
Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Neste artigo vou trabalhar com os conceitos
de liberdade defendidos por Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau.
2.
Hobbes
e o estado de natureza:
O filósofo inglês Thomas Hobbes
(1588-1679) vive no século XVII, esse período é marcado na Inglaterra por uma
intensa luta política, entre dois grupos políticos opositores, os monarquistas
que defendiam o poder absoluto dos reis, e o grupo dos parlamentares que
defendia a ideia de que fosse instaurado na Inglaterra um poder constitucional.
A posição do filósofo Hobbes é a de assumir e defender a posição absolutista do
poder.
Muitos consideram Thomas Hobbes como o
primeiro grande filósofo contratualista da era moderna. Seus escritos políticos
procuram realizar uma definição da natureza dos homens. A forma como Hobbes
entende a natureza humana choca e gera critica por parte de seus opositores,
pois segundo ele os homens diferentemente do que defendia Aristóteles em sua
obra A política, não possuem uma natureza social, muito pelo contrário para
Hobbes, os homens são seres insociáveis, ou seja, não são capazes de viver em
sociedade de maneira pacífica.
Muitos já ouviram em algum momento
de suas vidas a seguinte frase “O homem é o lobo do homem” nesta frase o
filósofo inglês mostra claramente como ele entende o comportamento do homem em
sua vida em sociedade, ou seja, Hobbes vê o homem como um autêntico predador,
aquele que devorara literalmente o seu próximo para objetivar seus desejos.
Ao afirmar que o homem não é capaz de viver em
sociedade, Hobbes faz uma análise histórica, afirma que ao analisar o
comportamento do homem em qualquer período histórico perceberemos que o homem
vive em guerra constante com o seu semelhante. Essa visão, ou melhor, essa
análise do comportamento antissocial do homem nos é mostrada por Hobbes em duas
de suas grandes obras políticas Do Cidadão (1642) e na obra que é considerada
por muitos como a principal obra de Hobbes, o livro Leviatã (1651).
Para entendermos a necessidade da
criação do Estado defendida por Hobbes se faz necessário que entendamos
primeiramente, como esse autor compreendia a vida dos homens antes da criação
do Estado, como o homem defendia seus direitos, como buscavam a satisfação de
seus desejos, enfim como era estabelecido o conjunto de suas relações sociais.
Assim como Locke e Rousseau, Hobbes
defendia a ideia de que antes da vida em sociedade por intermédio do estado,
todos os homens viviam naturalmente sem a existência de nenhuma forma de
organização política, isto quer dizer na definição dos autores contratualistas
que homens viviam no que eles denominaram por estado de natureza.
Dessa forma podemos entender a
definição de estado de natureza:
É o estado dos seres humanos fora da
sociedade civil, utilizados por filósofos como Hobbes, Locke e Rousseau, para
elucidar o que é explicado pela convenção, e o que justificado para cada uma
delas. Para Hobbes o, estado de natureza é uma guerra de todos contra todos, e
a vida do homem é “solitária, pobre e sórdida, bruta e curta”. A sociedade se
justifica como remédio para esse terrível estado. (Blackburn, p.127).
É importante ressaltar que esses
três autores divergiram entre si sobre a postura, ou melhor, dizendo a forma de
conduta dos homens dentro do estado de natureza. O importante aqui é fazer entender que ambos
afirmam que os homens no estado de natureza possuíam a plena liberdade para
decidir o direcionamento de sua vida sem qualquer impedimento.
O filósofo Renato Janine Ribeiro* em um artigo
para o livro Os clássicos da política afirma que Hobbes não defendia a ideia de
que os homens em estado de natureza viviam de forma isolada e muito menos eram
selvagens, muito pelo contrário o homem que vive no estado de natureza é o
mesmo homem que vive em sociedade. No mesmo artigo Renato Janine Ribeiro afirma
que para Hobbes não existe a história entendida como transformando o homem, ou seja,
os homens não mudam naturalmente conforme o período histórico.
A principal critica de Hobbes em
relação ao estado de como já citado acima se dá pela forma de igualdade dos
homens, que para Hobbes é considerado um problema, nas palavras do próprio Hobbes:
[...] A natureza fez os homens tão
iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se
encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou espírito mais vivo que
o outro, mesmo assim quando se considera tudo em conjunto, a diferença, entre
um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa
com base nela reclamar qualquer beneficio a que outro não possa também aspirar,
tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem a força suficiente
para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com os
outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. (Leviatã, cap. XIII).
3.
As
ações e os valores do homem
Segundo Hobbes os homens são movidos
no mundo em qualquer época histórica para a conquista e satisfação de seus
desejos, e dessa forma se aproximam e consideram como bom àquilo que desejam, e
é claro vão se afastar daquilo que não tem interesse, ou seja, daquilo que
consideram mal. Assim podemos concluir que em qualquer sociedade, inclusive a
nossa, todos os homens buscam incessantemente o prazer, e fogem de forma
intensa daquilo que lhes causa dor.
Hobbes afirma que não existe entre
os homens um valor universal entre o bem e o mal, isto quer dizer que os homens
definem os valores entre bem e mal de maneiras e formas diferentes, o que faz
os homens definirem esses valores da forma que mais lhe convém. Ou seja, o
homem no sentido hobbesiano é um ser puramente egoísta, que busca antes de mais
a conservação de sua vida, conservando a sua vida poderá alcançar a satisfação
dos seus desejos, e dessa forma ele vê o seu próximo como um concorrente que
precisa ser vencido.
Se não há lei que me impeça de
realizar tudo aquilo que eu desejo, se todos os homens possuem liberdade para fazer
o bem entendem, podem utilizar de qualquer meio para satisfazer seus desejos, o
que fazer quando dois ou mais indivíduos desejam o mesmo objetivo, como
determinar o que pertence a ele por direito, já que a falta de uma
regulamentação colocam os valores de bem e de mal são meramente consideradas
relativas.
Como nos mostra Hobbes:
Da igualdade quanto à capacidade
deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos o nossos fins. Portanto se
dois homens almejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que é impossível ela ser
gozada por ambos eles se tornam inimigos. (Leviatã cap.XIII).
Hobbes entende que a liberdade tem
como significado a ausência de impedimentos referentes á movimentação humana,
onde é permitido aos indivíduos praticarem todas as coisas possíveis para
conservação de sua vida, já que no estado de natureza como foi dito os homens
vivem em uma guerra generalizada. Essa ausência de impedimentos é segundo
Hobbes causadora dos atos violentos que os indivíduos cometem entre si, dessa
forma a liberdade existente no estado natural dos homens é que o coloca em
estado de guerra.
[...] O direito de natureza, a que
os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui
de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua
própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo
que seu próprio julgamento ou razão lhe indiquem como meio adequados a esse
fim. [...] (Leviatã, cap. XIV, p. 78).
Dessa forma ao analisarmos qualquer
sociedade perceberemos segundo Hobbes que a motivação do homem se dá pela busca
da virtude e da glória, ou seja, o homem busca ser reconhecido por suas ações.
Porém esse reconhecimento de suas ações pela glória é uma mera satisfação dos
prazeres, e não uma virtude, pois o homem para Hobbes é eternamente dominado
por suas paixões.
Para Renato Janine Ribeiro Hobbes
pede um exame da consciência: “conhece-te a ti mesmo”. Estamos carregados de
preconceitos, acha Hobbes, que vem basicamente de Aristóteles de da filosofia
escolástica medieval. Mas o mito de que o homem é um ser sociável por natureza
nos impede de identificar onde está o conflito, e de contê-lo. A política só
será uma ciência se soubermos como o homem é de fato, e não na ilusão; é só com
a ciência política será possível construirmos Estados que se sustentem em vez
de se tornarem permanentemente a guerra civil. (Os clássicos da política, p.58).
Segundo Hobbes essa situação vai
gerar um estado de desconfiança, pois todos os homens enxergarão os outros
homens como inimigos ou potenciais inimigos. Se todos são inimigos um dos
outros, o medo tomará conta de todos os homens, esse medo levará a todos os
homens defenderem aquilo que acreditam ser seu por direito, e ao mesmo atacar
aqueles que considera serem seus inimigos, pois se não o fizer, o seu inimigo o
fará, ou seja, atacará e destruirá sua vida.
Para por fim a esse constante perigo
a vida de todos os homens, Hobbes afirma que os viram a necessidade elaborar a
criação de um corpo artificial, que seria incumbido de garantir a paz e a
segurança de todos os homens, esse corpo artificial seria o Estado civil.
Hobbes defende a ideia que a
sociedade civil por meio de um conjunto de leis elaboradas de forma racional,
vai oferecer aos indivíduos a garantia da segurança a todos os membros de sua
sociedade. A sociedade civil então acabará com o estado de guerra generalizado
que o homem vive em seu estado natural, para que os homens tenham direito a
preservação de sua vida, que seria garantida pelo Estado, eles deveriam primeiramente
em comum acordo renunciar a sua liberdade natural e transferi-la a um terceiro,
ou seja, o Estado que seria representado na figura do soberano que teria plenos
poderes sobre a vida dos demais membros da sociedade.
Hobbes então afirma que todos os
homens devem renunciar a sua condição de natureza, por meio desta renuncia
criar um conjunto de leis que os impeçam de cometer o mal para outros homens.
Para Hobbes a sociedade política é um contrato estabelecido entre os
indivíduos, esse contrato dará a todos os homens a garantia de gozarem de suas
conquistas, sem que outro venha retirar aquilo que lhe pertence.
É importante também destacar que
Hobbes difere o direito de natureza com as leis de natureza. Qual seria então a
diferença entre direito de natureza e leis de natureza?
Como vimos anteriormente o direito
de natureza corresponde a um conjunto amplo de liberdade que todos os homens
possuem já o direito de natureza possui um conjunto de regras que limitam, ou seja,
proíbem os homens de agir como bem entendem.
Por meio de um conjunto de leis, que
seriam comuns a todos os homens, seria estabelecido uma espécie de valores
morais, que mostrariam de forma clara todas as coisas que poderiam ou não ser
realizadas pelos membros da sociedade.
Bom será que basta apenas firmarem
um contrato, definir o que é bom, o que é mal, para que os homens passem a agir
de maneira adequada? Será que todos os homens respeitariam o contrato?
Hobbes afirma que o medo de perder a
sua vida fez com que os homens aceitassem perder a sua liberdade natural e a
trocarem pela segurança de suas vidas, se é medo que faz com que os reflitam
melhor sobre suas ações, e concedam sua liberdade a um terceiro, então será o
medo que os fará respeitarem contrato por eles firmado com o Estado. Renato
Janine Ribeiro aponta que:
Mas esse Estado hobbesiano continua
marcado pele medo. Veja-se a capa da primeira edição do Leviatã (1651), que
mostra um príncipe, cuja armadura é feita de escamas que são os súditos,
brandindo ameaçadora espada. Ou veja-se o próprio nome Leviatã, que é de um
monstro bíblico, que aparece no livro de Jó. Hobbes diz: o soberano governa
pelo temor (awe) que inflige a seus súditos. Porque, sem medo, ninguém abriria
mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte violenta,
que homem renunciaria ao direito que possui, por natureza, a todos os bens e
corpos? (Os clássicos da política, vol.1. p. 71).
O
estado de Hobbes é então definido como uma forma de poder político, que
estabelece regras que orientam nossa conduta, quem descumprir esse conjunto de
normas deve ser punido severamente pelo soberano, já que esse poder foi
concedido a ele por meio do contrato. Dessa forma o medo citado acima por
Renato Janine Ribeiro só sentido e temido pelos homens que descumprem as leis.
No contrato social hobbesiano o
Estado é instituído quando:
Estado instituído é quando uma
multidão de pessoas concorda e pactua que a qualquer homem ou assembleia de
homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a vontade de
todos eles – ou seja, de ser seu representante - todos sem exceção, deverão
autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal
se como fossem seus próprios atos e
decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos
restantes dos homens.
Deste Estado instituído derivam
todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é
conferido mediante o consentimento do povo reunido (Leviatã, cap. 18 p. 132)
Outra característica importante do
Estado defendido por Hobbes diz respeito à submissão de todos os membros da
sociedade a vontade do soberano. Já que fazemos parte de um único corpo
representado simbolicamente na figura do Leviatã, onde todos os corpos
(escamas) representam todos os súditos. Então podemos concluir que aquela
cabeça, com a coroa representa o soberano, que seria a cabeça do Estado,
cabendo ao soberano decidir por todos.
Para Hobbes a vontade do soberano é
a vontade de todos os membros da sociedade, já que o contrato que criou o
Estado determina que todos os homens devessem renunciar suas vontades a uma
única vontade, ou seja, a vontade do soberano.
Mas o poder do Estado tem de ser
pleno. O Estado medieval não conhecia o poder absoluto, nem soberania – os
poderes do rei eram contrabalançados pelos da nobreza, das cidades, dos
parlamentos. Jean Bodin, no século XVI, é o primeiro teórico a afirmar que no
Estado deve haver um poder soberano, isto é, um foco de autoridade que possa
resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. Hobbes desenvolve
essa ideia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade.
A sociedade nasce com o Estado. (Os clássicos da política vol. 1, p.).
Assim como todas as teorias políticas apresentadas
na história, a teoria hobbesiana de Estado tem seus interesses particulares. É
preciso entender aqui que o interesse de Hobbes em defender um Estado com as
características por ele apresentadas tanto no livro Do cidadão, quanto no
Leviatã se devem a sua posição política que é a monarquia, ou seja, Hobbes é
movido também por suas paixões e desejos quando defende sua teoria de Estado.
Todos os homens são realmente
movidos por paixões, e apesar das críticas em relação a o Estado absolutista
hobbesiano, uma coisa temos que concordar, a forma como os homens agem no mundo
precisa ser repensada, pois percebemos claramente que os problemas de
desigualdade do mundo não são de responsabilidade dos sistemas políticos,
econômicos ou religiosos, esses sistemas são apenas nomes, e todos eles foram e
serão criados pelos homens.
4.
Rousseau
e o estado de natureza.
O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), é sem sombra de dúvidas um dos grandes nomes da Filosofia Moderna.
Seus escritos são de fundamental importância para compreendermos o período
histórico no qual ele viveu. Suas contribuições também nos permitem entendermos
e refletirmos sobre os avanços e retrocessos da concepção da política, da
liberdade, da moral, enfim dos direitos e deveres dos indivíduos através da
história.
Rousseau nasceu na cidade suíça de
Genebra e se mostrou um forte opositor da Monarquia absolutista existente na
França, ou seja, o Antigo Regime. Rousseau afirmava que esta forma de governo
dava permissão aos governantes, a possibilidade de se tornarem déspotas, e ao
mesmo tempo estabelecerem governos tirânicos.
Rousseau é um filósofo
contratualista e nos mostra em sua concepção política diferenças entre os
teóricos dessa corrente que o antecederam, principalmente em relação a Thomas
Hobbes.
Assim como Hobbes Rousseau defendia a ideia da
existência de um estado de natureza humana que antecedeu o estado civilizado do
homem moderno, como vimos anteriormente esse estado de natureza não uma
validade histórica, os estado representa uma condição hipotética do homem.
Vejamos agora algumas diferenças entre esses dois autores no que se refere à
condição humana no hipotético estado de natureza.
O estado de natureza apresentado por
Rousseau tem diferenças fundamentais quando comparado ao estado natural dos
homens apresentado por Hobbes. Como vimos anteriormente o filósofo inglês
apresenta o homem em estado de natureza como um individuo que traz em sua essência qualidades extremamente
negativas.
Rousseau não enxerga o homem natural como um
indivíduo que tenha uma essência egoísta, ou que seja agressivo, na o entende o
homem em seu estado natural como um indivíduo corrompido, e principalmente não
o entende como um indivíduo que vive apenas para a satisfação de seus desejos. Muito
pelo contrário Rousseau entendia o homem em seu estado de natureza como um
indivíduo que possuía qualidades positivas, ou seja, um indivíduo que desde o
seu nascimento traz consigo uma forma de consciência moral, dever e respeito,
ou seja, as características positivas defendidas por Rousseau são
características inatas aos homens.
Podemos então afirmar que a
principal diferença entre o estado de natureza defendido por Rousseau em
relação ao estado de natureza hobbesiano está relacionada ao comportamento do
homem e de suas relações com os demais homens, e principalmente a negativa de
Rousseau de que o homem no estado de natureza seja egoísta, selvagem, violento
e que se destrua mutuamente, pois este vive em um eterno estado de guerra.
Segundo Rousseau essas
características descritas por Hobbes correspondem ao comportamento do homem
civilizado. É o homem da sociedade civilizada que vive nesta situação, é o
homem civilizado que a cada dia é mais impulsionado e influenciado pelos
vícios, pelo egoísmo e principalmente chama da acumulação, defendida e ensinada
na sociedade civil, tornando o homem cada vez mais corrompido pelos seus
desejos e interesses privados.
Segundo Rousseau os homens nascem
bons, livres de quaisquer desejos que visem o mau aos demais. Os aspectos
negativos dos homens como a vaidade, o egoísmo, a forma violenta e agressiva
pela qual os homens se comportam é fruto da sociedade civilizada.
Essa visão de um homem natural com
qualidades positivas defendida por Rousseau, nos mostra a condição de natureza
humana, como uma forma de vida “perfeita”, uma espécie de paraíso que os homens
viviam e que foi esquecido e destruído pela sociedade civilizada, essa maneira
de entendimento do comportamento dos homens faz surgir à ideia defendida por
Rousseau do mito do bom selvagem.
Quando
a questão da bondade do homem é tratada na obra de Rousseau, devemos entender
que ela tem como base a comiseração, ou seja, a compaixão pelos demais homens,
que segundo ele precede a reflexão racional. Rousseau entende, ou seja, define
a ideia de bondade como uma espécie de identificação que faz parte da natureza
humana e que esta está presente em todos os homens.
O que Rousseau
pretende ao demonstrar e estabelecer uma definição de natureza humana, baseada
em pontos como o direito natural e o comportamento dos homens antes da
sociedade civil, é justamente o de como nós seríamos se não fossemos desde o
nosso nascimento moldados pelas regras da sociedade.
É necessário entendermos aqui que a
bondade natural, não é definida por Rousseau como a possibilidade de realizar
escolhas morais, isso porque, para realizar uma escolha moral é preciso à
construção de valores que regulem as formas de comportamento dos indivíduos,
esses valores morais não eram conhecidos pelo homem em seu estado de natureza.
Podemos então concluir que os
indivíduos que vivem em estado de natureza, são indivíduos amorais, ou seja,
indivíduos que desconhecem as formas, as regras e princípios de conduta e
principalmente os valores tão discutidos ao longo da história como bem e mal.
5.
Rousseau:
A sociedade civilizada e a desigualdade entre os homens:
Essa ideia de que o homem é
corrompido pela sociedade é apresentada por Rousseau em 1750, quando
participando de um concurso, promovido pela Academia de Dijon, na França
escreve uma dissertação que tinha como tema a seguinte questão: As ciências e
as artes trouxeram melhorias para a vida dos homens?
Em sua dissertação que recebeu o
nome de Discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau responde a essa questão
de forma negativa, afirmando que os avanços obtidos pela sociedade civilizada
não trouxeram os avanços e melhorias necessários à vida dos homens, temos aqui
nessa tese a antecipação das criticas de Rousseau a respeito da vida em
sociedade.
As criticas de Rousseau são
endereçadas as “sociedades civilizadas”, que segundo o autor trouxeram prejuízo
aos homens, pois, segundo ele a sociedade com todo o avanço tecnológico e
científico, retirou dos homens sua essência de bondade e principalmente aprisionaram
e escravizaram os homens.
O desenvolvimento da civilização
segundo Rousseau trouxe para o homem ao invés do progresso a decadência e,
portanto a tarefa da filosofia é libertar o homem das cadeias impostas pela
civilização, devolvê-lo à primitiva liberdade. (Nicola, p.305).
Uma
das principais obras de Rousseau trata justamente da forma como a sociedade
civilizada corrompeu os homens, nesta obra ele desenvolveu uma crítica severa a
desigualdade existente na sociedade civilizada, a obra em questão recebeu o
titulo de: Discurso sobre a origem e
fundamentos da desigualdade entre os homens.
Nesta obra Rousseau tem
como objetivo principal responder, ou seja, definir o que faz realmente
consolidar a desigualdade entre os homens, procurando desmistificar a ideia de
que a desigualdade social esteja ligada ou justificada pela sua desigualdade
natural, ou seja, as características físicas, sexuais,as relacionadas as
juventude e velhice, etc.
Segundo Rousseau existe dois tipos
de desigualdades assim defendidas por ele em seu Discurso sobre a origem e
fundamentos da desigualdade entre os homens:
Concebo na espécie humana dois tipos
de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela
natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo
e das qualidades do espírito de da alma; a outra a que se pode chamar de
desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e
que é estabelecida ou pelo, menos autorizada pelo consentimento dos homens.
Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízos de
outros, como o de serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes,
ou ainda por fazerem-se obedecer por eles.(p.51)
É
conhecida a afirmação de Rousseau a respeito da criação da sociedade
civilizada, se deu por meio do aparecimento da propriedade privada. A partir
desse momento o vínculo que existia entre o homem natural e sua natureza se
rompeu, e o homem começa a viver sob a orientação das regras da vida
civilizada.
Com essa vida civilizada os homens passaram a
ter contato e conhecimento com os sentimentos mais mesquinhos, egoístas e de
qualidade cada vez mais corrompida, e principalmente os homens que perdem o
amor de si enquanto seres de uma mesma espécie, e passam a possuir apenas o
amor-próprio.
Para Rousseau a propriedade privada,
seria uma forma de realização do homem onde ele concretizaria suas paixões,
realizaria tudo aquilo de deseja, e principalmente iria manifestar toda a sua
vaidade e cobiça e isto tudo resultaria na desigualdade existente entre os
homens.
Segundo Rousseau:
O primeiro que, tendo cercado um
terreno, lembrou-se de dizer: “Isto é meu”, e encontrou pessoas bastante
simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos
crimes, guerras e mortes, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero
humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso tivesse gritado
aos seus semelhantes: “Guardai-vos desse imposto; estais perdidos se
esquecerdes que os frutos são para todo, e que a terra é de ninguém!”.
(Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens).
Segundo o filósofo Danilo Marcondes:
Rousseau analisa as origens do mal social através de uma crítica da organização
da sociedade e do abuso da técnica e dos artifícios que afastam o ser humano da
vida natural. Rousseau defende uma natureza humana originária, caracterizada
pela liberdade, pelo instinto de sobrevivência e pelo sentimento de piedade. A
visão do “bom selvagem” como encarnando essas virtudes naturais é utilizada por
Rousseau como um instrumento de crítica ao homem civilizado. (Textos básicos de
filosofia, p.97).
Esse homem civilizado segundo
Rousseau sempre irá buscar a satisfação de seus desejos, preocupado apenas
consigo mesmo, projetando apenas os seus objetivos, pois quer demonstrar aos
outros homens a sua superioridade, esta forma de agir do homem civilizado
demonstra todo o seu egoísmo, ou seja, o homem civilizado é a total perversão
das virtudes existentes no homem natural.
Outra questão importante nas críticas
de Rousseau em relação ao homem civilizado é sobre o processo de consciência do
homem, pois quando o homem percebe sua ação transformadora sobre o meio em que
vive, e entende que possui a capacidade de transformar a natureza conforme suas
necessidades, eles passam a entender que são seres superiores aos demais. E tem
inicio dessa forma, um processo de dominação da natureza, por meio da criação
de ferramentas que facilitaram sua ação no mundo e ao mesmo tempo o domínio do
homem sobre a natureza e sobre os demais homens.
Segundo Rousseau:
À medida que aumentou o gênero
humano, os trabalhos se multiplicaram com os homens. A diferença das terras,
dos climas, das estações pôde força-los a incluí-la na sua própria maneira de
viver. Anos estéreis invernos longos e rudes, verões escaldantes, que tudo
consomem, exigiram dele uma nova indústria. À margem do rio, inventaram a linha
e o anzol, e se tornaram pescadores e ictiófagos. Nas florestas construíram arcos e flechas e se tornaram
caçadores e guerreiros. Nas regiões cobriam-se com as peles dos animais que
haviam matado. O trovão, um vulcão ou qualquer acaso feliz fez com que
conhecessem o fogo, novo recurso contra os rigores do inverno; aprenderam a
conservar esse elemento, depois a reproduzi-lo e, por fim, a preparar as carnes
que antes devoravam cruas. (Discurso sobre a origem e fundamentos da
desigualdade entre os homens; p.88).
Ainda segundo Rousseau:
As novas luzes, que resultaram desse
desenvolvimento, aumentaram sua superioridade sobre os demais animais,
dando-lhe consciência dela. Aplicou-se a preparar armadilhas, revidou-lhes
os ataques de mil maneiras e, embora
inúmeros deles o sobrepassem em força no combate ou em rapidez na corrida,
daqueles que poderiam servi-lo ou nutri-lo veio a tornar-se, com o tempo, o
senhor de uns e o flagelo de outros. Assim, o primeiro olhar que lançou sobre
si mesmo produziu o primeiro movimento de orgulho; assim, apenas distinguindo
categorias por considerar-se o primeiro por sua espécie, dispôs-se desde logo a
considerar-se o primeiro como indivíduo. (Discurso sobre a origem e fundamentos
da desigualdade entre os homens; p.88, 89).
Para Rousseau essa situação de
desenvolvimento da técnica, e a produção de ferramentas pelos homens, e
principalmente o fato de possuírem consciência dessa superioridade comprovam
que a história humana não foi capaz de produzir um progresso na forma do agir
do homem, muito pelo contrário ela trouxe a decadência do comportamento, das
ideias do respeito ao próximo, dos conceitos e valores morais dos homens.
Essa situação humana é defendida
para Rousseau como a decadência moral: decadência moral é a ideia, sustentada
por Rousseau, de que a história não produziu progresso, mas sim um regresso do
gênero humano, particularmente do ponto de vista ético. A primeira etapa dessa
decadência foi produzida pela introdução da propriedade privada. (Nicola,
p.304).
6.
Rousseau
a liberdade e a vontade geral
Rousseau
em suas obras tem como tema fundamental a liberdade e os direitos dos homens em
sua em sociedade. Em suas obras o autor procura justificar e demonstrar os
motivos e os fatores que levaram os indivíduos a perderem sua de condição liberdade,
e ao mesmo tempo o que devem fazer para recuperar a liberdade perdida.
Para uma melhor definição a
respeito, Marilena Chauí afirma que:
Em todas as obras de Rousseau, os
processos educativos, tanto quanto as relações sociais, são sempre encarados do
ponto de vista centralizado na noção de liberdade, entendida por ele como dever
e direito ao mesmo tempo: “todos nascem homens e livres”; a liberdade lhes pertence e
renunciar a ela é renunciar à própria
qualidade de homem.
No início de seu livro Do contrato
social afirma:
O homem nasce livre, e por toda
parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser
mais escravo do que eles. Como veio tal
mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver essa questão. (Jean
Jacques Rousseau. Do Contrato Social, p. 53).
Rousseau tem como objetivo explicar
o porquê da existência da desigualdade, e como já citado anteriormente ele
responsabiliza a sociedade civil como a principal causadora das diferenças
entre os homens, porém é importante esclarecer que mesmo criticando as
estruturas das sociedades, Rousseau não se opõe totalmente a sociedade
civilizada, o que ele propõe é uma reforma nas estruturas da sociedade.
Apesar
de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o
retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível.
Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se
agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em
conformidade com a justiça e a liberdade. (caderno do professor, filosofia
ensino médio 3 ªsérie volume 2 p.44).
Para
por fim a esse conjunto de injustiças que ocorrem na sociedade civilizada,
Rousseau nos mostra que é necessário que seja estabelecido um contrato entre os
homens, que tenha como principal objetivo estabelecer uma forma de governo que
tenha como principio fundamental o bem comum.
Com
o estabelecimento do contrato as ideias de direito do mais forte, e da
escravidão não terão mais validade, pois segundo Rousseau:
O
mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão
transformando a sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do
mais forte – direito aparentemente tomado com ironia e na realidade
estabelecido como principio. Jamais alcançaremos uma explicação a essa palavra?
A força é um poder físico; não imagino que a moralidade possa resultar de seus
efeitos. Ceder à força constitui ato de necessidade, não de vontade; quando
muito, ato de prudência. Em que sentido poderá representar um dever? (Do
contrato social, cap.III, P. 59).
Segundo
Rousseau esse contrato não deve ser estabelecido pelo medo ou pela força, muito
menos pela submissão a qualquer homem. Rousseau afirma que por meio do contrato
os homens tem o dever de obedecer às leis, porém essa obediência não será fruto
de uma submissão, mas sim fruto de uma convenção entre os homens, essa convenção,
realizada por meio do pacto entre os homens, esse pacto entre os indivíduos e a
sociedade, faz com que a vontade de todos seja entendida como sua vontade.
O
homem segundo Rousseau não pode de nenhuma maneira negar sua liberdade, a
nenhum outro homem, ou a qualquer forma de governo por meio de força ou da
submissão, pois para Rousseau o homem que nega sua liberdade:
Renunciar
à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até
aos próprios deveres. Não há recompensa possível para a quem tudo renuncia. Tal
renúncia não se compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntariamente
de toda e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidade de suas ações.
Enfim, é uma inútil e contraditória uma convenção a que, de um lado estipula
uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites. (Do contrato
social, cap.V, p, 62).
O
Contrato social de Rousseau defende uma proposta de cunho político que tem como
foco central uma ligação entre a natureza humana e a sociedade civilizada a
partir do conjunto de convenções morais construídos pelos homens, ou seja, essa
ligação seria a base fundamental da estrutural social desse contrato, que irá
proporcionar aos homens a construção e realização de sua humanidade.
Segundo
a teoria do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos
membros da sociedade. O fundamento dessa soberania é a vontade geral, que não
resulta apenas na soma da vontade de cada um. A vontade particular e individual
de cada um diz respeito aos seus interesses específicos, porém, enquanto
cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade
que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum. É papel da
educação a formação dessa vontade geral, transformando assim o individuo em
cidadão, em membro de uma comunidade. (Marcondes, p.201).
Essa
nova construção social e humana do homem, trará aos homens uma compreensão de
que ele vive em sociedade, e que se faz necessário que o seu conjunto de
relações sociais, precisam ser modificadas, os aspectos individuais e conquista
pessoal, devem ser adequados, ou melhor, adaptados ao conjunto de interesses da
sociedade como um todo, isto quer dizer, entender que deve prevalecer em
qualquer sociedade é o aspecto coletivo.
É-nos
apresentado aqui o principal aspecto do Contrato social de Rousseau, a ideia da
vontade geral, os homens devem guiar suas ações, seus objetivos, devem estar
relacionados e ligados à vontade gerais do corpo político e da sociedade da
qual este indivíduo pertence.
O
que vem a ser vontade geral? Para Rousseau a vontade geral não representaria
apenas como a vontade da maioria, a vontade geral seria para ele a
identificação do indivíduo com o corpo social do qual pertence, a vontade geral
não significa apenas a somatória de vontades, não seria apenas quantitativa,
mas sim qualitativa. A vontade geral seria, portanto uma partilha de interesses
do corpo político do qual fazemos parte.
No
contrato social Rousseau define que o pacto social entre os indivíduos da seguinte
forma:
“Cada
um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da
vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível
de um todo”. (Do contrato social p. 71).
Dessa
forma podemos entender que por meio do contrato ou pacto social os indivíduos
devem submeter suas vontades individuais á vontade geral. Os indivíduos como
membros de uma determinada sociedade seja ela qual for não está sujeito a
nenhuma vontade individual, isto quer dizer que não devem obediência a nenhum
homem que queira impor pela força física, política, religiosa, a sua vontade e
domínio sobre os demais homens.
Esse
contrato estabelece que cada cidadão tenha como obrigação respeitar as leis da
sua comunidade política, essas leis por sua vez para serem respeitadas devem
também atender representar a vontade geral.
Para
Rousseau o respeito às leis, é o respeito da vontade do corpo político, que
significa respeitar a vontade geral e consequentemente a conquista do bem comum
e ao mesmo tempo a garantia de sua liberdade, pois para Rousseau ao obedecermos
às leis, que representam a vontade geral estamos seguindo a nós mesmos, isto
significa que somos seres moralmente livres.
Rousseau
afirma nesse contrato algo de fundamental importância para entendermos de fato
o valor e o verdadeiro sentido da palavra democracia, já que para ele a
soberania política pertence ao povo, e não ao governo muito menos ao
governante, esta soberania política é segundo Rousseau é um direito
inalienável, ou seja, a soberania política não pode ser retirada do povo, ela é
um direito efetivo.
Portanto
essa forma de poder soberano ao povo representa, que essa sociedade imaginada e
defendida por Rousseau, seria o renascimento de sociedade que perdera suas
características iniciais, nela todos participam do poder político de forma
efetiva, esse poder do povo, não pode e não será destruído, mas para que isso
ocorra os homens precisam entender que fazem parte de um corpo político onde a
liberdade só será garantida enquanto ele entender que seus interesses
individuais de menor importância do que o interesse coletivo.
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