Campos de investigação da Filosofia Os períodos da Filosofia grega
Convite à Filosofia
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
Unidade 1
A Filosofia
A Filosofia
Capítulo 3
Campos de investigação da Filosofia
Campos de investigação da Filosofia
Os
períodos da Filosofia grega
A Filosofia terá, no correr dos séculos, um
conjunto de preocupações, indagações e interesses que lhe vieram de seu
nascimento na Grécia.
Assim, antes de vermos que campos são esses,
examinemos brevemente os conteúdos que a Filosofia possuía na Grécia. Para
isso, devemos, primeiro, conhecer os períodos principais da Filosofia grega,
pois tais períodos definiram os campos da investigação filosófica na
Antigüidade.
A história da Grécia costuma ser dividida
pelos historiadores em quatro grandes fases ou épocas:
1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400
anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia;
2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do
século VII ao século V antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como
Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana,
baseada no artesanato e no comércio;
3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV
antes de Cristo, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e
artística entra no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e
militar;
4. e, finalmente, a época helenística, a partir
do final do século IV antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do
império de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império Romano,
terminando a história de sua existência independente.
Os períodos da Filosofia não correspondem
exatamente a essas épocas, já que ela não existe na Grécia homérica e só
aparece nos meados da Grécia arcaica. Entretanto, o apogeu da Filosofia
acontece durante o apogeu da cultura e da sociedade gregas; portanto, durante a
Grécia clássica.
Os quatro grandes períodos da Filosofia
grega, nos quais seu conteúdo muda e se enriquece, são:
1. Período pré-socrático ou cosmológico,
do final do século VII ao final do século V a.C., quando a Filosofia se ocupa
fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na
Natureza.
2. Período socrático ou antropológico,
do final do século V e todo o século IV a.C., quando a Filosofia investiga as
questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas (em grego, ântropos
quer dizer homem; por isso o período recebeu o nome de antropológico).
3. Período sistemático, do final do
século IV ao final do século III a.C., quando a Filosofia busca reunir e
sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia,
interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento
filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam
firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da ciência.
4. Período helenístico ou greco-romano,
do final do século III a.C. até o século VI depois de Cristo. Nesse longo
período, que já alcança Roma e o pensamento dos primeiros Padres da Igreja, a
Filosofia se ocupa sobretudo com as questões da ética, do conhecimento humano e
das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus.
Filosofia
Grega
Pode-se perceber que os dois primeiros
períodos da Filosofia grega têm como referência o filósofo Sócrates de Atenas,
donde a divisão em Filosofia pré-socrática e socrática.
Período
pré-socrático ou cosmológico
Os principais filósofos pré-socráticos foram:
● filósofos da Escola Jônica: Tales de
Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso;
● filósofos da Escola Itálica: Pitágoras de
Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento;
● filósofos da Escola Eleata: Parmênides de
Eléia e Zenão de Eléia;
● filósofos da Escola da Pluralidade:
Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo de Abdera e Demócrito
de Abdera.
As principais características da cosmologia
são:
● É uma explicação racional e sistemática
sobre a origem, ordem e transformação da Natureza, da qual os seres humanos
fazem parte, de modo que, ao explicar a Natureza, a Filosofia também explica a
origem e as mudanças dos seres humanos.
● Afirma que não existe criação do mundo,
isto é, nega que o mundo tenha surgido do nada (como é o caso, por exemplo, na
religião judaico-cristã, na qual Deus cria o mundo do nada). Por isso diz:
“Nada vem do nada e nada volta ao nada”. Isto significa: a) que o mundo, ou a
Natureza, é eterno; b) que no mundo, ou na Natureza, tudo se transforma em
outra coisa sem jamais desaparecer, embora a forma particular que uma coisa
possua desapareça com ela, mas não sua matéria.
● O fundo eterno, perene, imortal, de onde
tudo nasce e para onde tudo volta é invisível para os olhos do corpo e
visível somente para o olho do espírito, isto é, para o pensamento.
● O fundo eterno, perene, imortal e
imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna é o elemento primordial
da Natureza e chama-se physis (em grego, physis vem de um verbo
que significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer, produzir). A physis
é a Natureza eterna e em perene transformação.
● Afirma que, embora a physis (o
elemento primordial eterno) seja imperecível, ela dá origem a todos os seres
infinitamente variados e diferentes do mundo, seres que, ao contrário do
princípio gerador, são perecíveis ou mortais.
● Afirma que todos os seres, além de serem
gerados e de serem mortais, são seres em contínua transformação, mudando de
qualidade (por exemplo, o branco amarelece, acinzenta, enegrece; o negro
acinzenta, embranquece; o novo envelhece; o quente esfria; o frio esquenta; o
seco fica úmido; o úmido seca; o dia se torna noite; a noite se torna dia; a
primavera cede lugar ao verão, que cede lugar ao outono, que cede lugar ao
inverno; o saudável adoece; o doente se cura; a criança cresce; a árvore vem da
semente e produz sementes, etc.) e mudando de quantidade (o pequeno cresce e
fica grande; o grande diminui e fica pequeno; o longe fica perto se eu for até
ele, ou se as coisas distantes chegarem até mim, um rio aumenta de volume na
cheia e diminui na seca, etc.). Portanto o mundo está em mudança contínua, sem
por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade.
A mudança - nascer, morrer, mudar de
qualidade ou de quantidade - chama-se movimento e o mundo está em
movimento permanente.
O movimento do mundo chama-se devir e
o devir segue leis rigorosas que o pensamento conhece. Essas leis são as que
mostram que toda mudança é passagem de um estado ao seu contrário: dia-noite,
claro-escuro, quente-frio, seco-úmido, novo-velho, pequeno-grande, bom-mau,
cheio-vazio, um-muitos, etc., e também no sentido inverso, noite-dia,
escuro-claro, frio-quente, muitos-um, etc. O devir é, portanto, a
passagem contínua de uma coisa ao seu estado contrário e essa passagem não é
caótica, mas obedece a leis determinadas pela physis ou pelo princípio
fundamental do mundo.
Os diferentes filósofos escolheram diferentes
physis, isto é, cada filósofo encontrou motivos e razões para dizer qual
era o princípio eterno e imutável que está na origem da Natureza e de suas
transformações. Assim, Tales dizia que o princípio era a água ou o úmido;
Anaximandro considerava que era o ilimitado sem qualidades definidas;
Anaxímenes, que era o ar ou o frio; Heráclito afirmou que era o fogo; Leucipo e
Demócrito disseram que eram os átomos. E assim por diante.
Período
socrático ou antropológico
Com o desenvolvimento das cidades, do
comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da
vida social, política e cultural da Grécia, vivendo seu período de esplendor,
conhecido como o Século de Péricles.
É a época de maior florescimento da
democracia. A democracia grega possuía, entre outras, duas características de
grande importância para o futuro da Filosofia.
Em primeiro lugar, a democracia afirmava a
igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de
participar diretamente do governo da cidade, da polis.
Em segundo lugar, e como conseqüência, a
democracia, sendo direta e não por eleição de representantes, garantia a todos
a participação no governo, e os que dele participavam tinham o direito de
exprimir, discutir e defender em público suas opiniões sobre as decisões que a
cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura política do cidadão.
(Nota: Devemos observar que estavam excluídos da cidadania o que os gregos
chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também estavam
excluídos os estrangeiros.)
Ora, para conseguir que a sua opinião fosse
aceita nas assembléias, o cidadão precisava saber falar e ser capaz de
persuadir. Com isso, uma mudança profunda vai ocorrer na educação grega.
Quando não havia democracia, mas dominavam as
famílias aristocráticas, senhoras das terras, o poder lhes pertencia. Essas
famílias, valendo-se dos dois grandes poetas gregos, Homero e Hesíodo, criaram
um padrão de educação, próprio dos aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem
ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela
ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de
Tróia (Aquiles, Heitor, Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando
Homero e Hesíodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e praticadas
pelos heróis, a principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. A
virtude era a Arete (excelência e superioridade), própria dos melhores,
os aristoi.
Quando, porém, a democracia se instala e o
poder vai sendo retirado dos aristocratas, esse ideal educativo ou pedagógico
também vai sendo substituído por outro. O ideal da educação do Século de
Péricles é a formação do cidadão. A Arete é a virtude cívica.
Ora, qual é o momento em que o cidadão mais
aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas
assembléias. Assim, a nova educação estabelece como padrão ideal a formação do
bom orador, isto é, aquele que saiba falar em público e persuadir os outros na
política.
Para dar aos jovens essa educação,
substituindo a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os sofistas,
que são os primeiros filósofos do período socrático. Os sofistas mais
importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini e Isócrates de
Atenas.
Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que
os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de erros e
contradições e que não tinham utilidade para a vida da polis.
Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser possível
ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos.
Que arte era esta? A arte da persuasão. Os
sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a
defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A,
de modo que, numa assembléia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra
uma opinião e ganhassem a discussão.
O filósofo Sócrates, considerado o patrono da
Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não
tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer
idéia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o
erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.
Como homem de seu tempo, Sócrates concordava
com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e
bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os
filósofos cosmologistas defendiam idéias tão contrárias entre si que também não
eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota: Historicamente, há
dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não
possuímos seus textos. Restaram fragmentos apenas. Por isso, nós os conhecemos
pelo que deles disseram seus adversários - Platão, Xenofonte, Aristóteles - e
não temos como saber se estes foram justos com aqueles. Os historiadores mais
recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do espírito
democrático, isto é, da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses,
enquanto seus adversários seriam partidários de uma política aristocrática, na
qual somente algumas opiniões e interesses teriam o direito para valer para o
restante da sociedade.)
Discordando dos antigos poetas, dos antigos
filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer conhecer a
Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e
antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que
estava gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria,
tornou-se a divisa de Sócrates.
Por fazer do autoconhecimento ou do
conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros
conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período socrático é
antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de
seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade.
O retrato que a história da Filosofia possui
de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo
ateniense Platão.
Que retrato Platão nos deixa de seu mestre,
Sócrates?
O de um homem que andava pelas ruas e praças
de Atenas, pelo mercado e pela assembléia indagando a cada um: “Você sabe o que
é isso que você está dizendo?”, “Você sabe o que é isso em que você acredita?”,
“Você acha que está conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em que
está pensando, aquilo que está dizendo?”, “Você diz”, falava Sócrates, “que a
coragem é importante, mas: o que é a coragem? Você acredita que a
justiça é importante, mas: o que é a justiça? Você diz que ama as coisas
e as pessoas belas, mas o que é a beleza? Você crê que seus amigos são a
melhor coisa que você tem, mas: o que é a amizade?”
Sócrates fazia perguntas sobre as idéias,
sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas
perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois,
quando tentavam responder ao célebre “o que é?”, descobriam, surpresos, que não
sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e
suas idéias.
Mas o pior não era isso. O pior é que as
pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse
as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para
desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando”.
Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada sei”.
A consciência da própria ignorância é o
começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo
que uma coisa, uma idéia, um valor é verdadeiramente. Procurava a essência
verdadeira da coisa, da idéia, do valor. Procurava o conceito e não a
mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das idéias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um
conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época
para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e
preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e
necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal,
intemporal e necessária de alguma coisa.
Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou
qual coisa era bela - pois nossa opinião sobre ela pode variar - e sim: O que é
a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade?
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas
você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o fundamento
racional daquilo que você fala e pensa?
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a
idéias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e
verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar
dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis.
Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.
Sabemos que os poderosos têm medo do
pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar
as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que
elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois
fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses,
corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembléia, Sócrates não
se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - e obrigado a
suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”,
dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as
aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de
filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”.
O julgamento e a morte de Sócrates são
narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a
defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra Atenas.
Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de
seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi
o mais importante deles. Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os
sofistas e sobre Sócrates, além da exposição de suas próprias idéias, poderemos
apresentar como características gerais do período socrático:
● A Filosofia se volta para as questões
humanas no plano da ação, dos comportamentos, das idéias, das crenças, dos
valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas.
● O ponto de partida da Filosofia é a confiança
no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo
e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre
si mesmo para conhecer-se; é a consciência conhecendo-se a si mesma como
capacidade para conhecer as coisas, alcançando o conceito ou a essência delas.
● Como se trata de conhecer a capacidade de
conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos
que nos garantam que encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer
a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o
que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investiguemos.
● A Filosofia está voltada para a definição
das virtudes morais e das virtudes políticas, tendo como objeto central de suas
investigações a moral e a política, isto é, as idéias e práticas que norteiam
os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos.
● Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a
definição, o conceito ou a essência dessas virtudes, para além da variedade das
opiniões, para além da multiplicidade das opiniões contrárias e diferentes. As
perguntas filosóficas se referem, assim, a valores como a justiça, a coragem, a
amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperança, a prudência, etc., que
constituem os ideais do sábio e do verdadeiro cidadão.
● É feita, pela primeira vez, uma separação
radical entre, de um lado a opinião e as imagens das coisas, trazidas
pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos
interesses, e, de outro lado, as idéias. As idéias se referem à essência
íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo
pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os
preconceitos, as opiniões.
● A reflexão e o trabalho do pensamento são
tomados como uma purificação intelectual, que permite ao espírito humano
conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária.
● A opinião, as percepções e imagens
sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes,
contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho
próprio no conhecimento verdadeiro.
● A diferença entre os sofistas, de um lado,
e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a
validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para
produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as
opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro,
mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a
verdade plena da realidade.
O
mito da caverna
Imaginemos uma caverna subterrânea onde,
desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas
pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a
permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para frente, não podendo
girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite
que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade,
enxergar o que se passa no interior.
A luz que ali entra provém de uma imensa e
alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há
um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a
parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens
transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e
todas as coisas.
Por causa da luz da fogueira e da posição
ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as
sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias
estatuetas, nem os homens que as transportam.
Como jamais viram outra coisa, os
prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja,
não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de
coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não
podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam
que toda luminosidade possível é a que reina na caverna.
Que aconteceria, indaga Platão, se alguém
libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro
lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as
estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a
caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho
ascendente, nele adentraria.
Num primeiro momento, ficaria completamente
cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente
ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que
transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias
coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de
imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente
agora está contemplando a própria realidade.
Libertado e conhecedor do mundo, o
prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria
aos outros o que viu e tentaria libertá-los.
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais
prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não
conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e,
se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da
caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam
ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo
à realidade.
O que é a caverna? O mundo em que vivemos.
Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que
percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O
que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O
mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que
liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A
dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os
prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à
condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? Porque imaginam que
o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro.
Período
sistemático
Este período tem como principal nome o
filósofo Aristóteles de Estagira, discípulo de Platão.
Passados quase quatro séculos de Filosofia,
Aristóteles apresenta, nesse período, uma verdadeira enciclopédia de todo o
saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do
pensamento e da prática considerando essa totalidade de saberes como sendo a
Filosofia. Esta, portanto, não é um saber específico sobre algum assunto, mas
uma forma de conhecer todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para
cada campo de coisas que conhece.
Além de a Filosofia ser o conhecimento da
totalidade dos conhecimentos e práticas humanas, ela também estabelece uma diferença
entre esses conhecimentos, distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples
e inferiores aos mais complexos e superiores. Essa classificação e distribuição
dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os campos de investigação
da Filosofia como totalidade do saber humano.
Cada saber, no campo que lhe é próprio,
possui seu objeto específico, procedimentos específicos para sua aquisição e
exposição, formas próprias de demonstração e prova. Cada campo do conhecimento
é uma ciência (ciência, em grego, é episteme).
Aristóteles afirma que, antes de um
conhecimento constituir seu objeto e seu campo próprios, seus procedimentos
próprios de aquisição e exposição, de demonstração e de prova, deve, primeiro,
conhecer as leis gerais que governam o pensamento, independentemente do
conteúdo que possa vir a ter.
O estudo das formas gerais do pensamento, sem
preocupação com seu conteúdo, chama-se lógica, e Aristóteles foi o
criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber.
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento
para a ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por
Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja indispensável para a
Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos dela.
Os
campos do conhecimento filosófico
Vejamos, pois, a classificação aristotélica:
● Ciências produtivas: ciências que
estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja
finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade é a produção de um
objeto, de uma obra. São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma
coisa), economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o comércio,
isto é, produtos para a sobrevivência e para o acúmulo de riquezas), medicina
(cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro,
oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, todas as
atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa obra.
● Ciências práticas: ciências que
estudam as práticas humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio
fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma, é o próprio ato
realizado. São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela
razão para alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais
(coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade,
justiça, modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é
realizada pela vontade guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade
ou o bem comum.
Para Aristóteles, como para todo grego da
época clássica, a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, sem
a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida na polis. Por isso,
a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre.
● Ciências teoréticas, contemplativas ou
teóricas: são aquelas que estudam coisas que existem independentemente dos
homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas pelos homens, só podem ser
contempladas por eles. Theoria, em grego, significa contemplação da
verdade. O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas,
independentes de nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e
política? São as coisas da Natureza e as coisas divinas. Aristóteles, aqui,
classifica também por graus de superioridade as ciências teóricas, indo da mais
inferior à superior:
1. ciência das coisas naturais submetidas à
mudança ou ao devir: física, biologia, meteorologia, psicologia (pois a alma,
que em grego se diz psychê, é um ser natural, existindo de formas
variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens);
2. ciência das coisas naturais que não estão
submetidas à mudança ou ao devir: as matemáticas e a astronomia (os gregos
julgavam que os astros eram eternos e imutáveis);
3. ciência da realidade pura, que não é nem
natural mutável, nem natural imutável, nem resultado da ação humana, nem
resultado da fabricação humana. Trata-se daquilo que deve haver em toda e
qualquer realidade, seja ela natural, matemática, ética, política ou técnica,
para ser realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou substância
de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o puro ser chama-se metafísica;
4. ciência teórica das coisas divinas que são a
causa e a finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem. Vimos que as
coisas divinas são chamadas de theion e, por isso, esta última ciência
chama-se teologia.
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu
ponto mais alto na metafísica e na teologia, de onde derivam todos os outros
conhecimentos.
A partir da classificação aristotélica,
definiu-se, no correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica,
campo que só seria desfeito no século XIX da nossa era, quando as ciências
particulares se foram separando do tronco geral da Filosofia. Assim, podemos
dizer que os campos da investigação filosófica são três:
1º. O do conhecimento da realidade última de
todos os seres, ou da essência de toda a realidade. Como, em grego, ser
se diz on e os seres se diz ta onta, este campo é chamado
de ontologia (que, na linguagem de Aristóteles, se formava com a
metafísica e a teologia).
2º. O do conhecimento das ações humanas ou dos
valores e das finalidades da ação humana: das ações que têm em si mesmas sua
finalidade, a ética e a política, ou a vida moral (valores morais) e a vida
política (valores políticos); e das ações que têm sua finalidade num produto ou
numa obra: as técnicas e as artes e seus valores (utilidade, beleza, etc.).
3º. O do conhecimento da capacidade humana de
conhecer, isto é, o conhecimento do próprio pensamento em exercício. Aqui,
distinguem-se: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do
conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências
propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia.
Ser ou realidade, prática ou ação segundo
valores, conhecimento do pensamento em suas leis gerais e em suas leis
específicas em cada ciência: eis os campos da atividade ou investigação
filosófica.
Período
helenístico
Trata-se do último período da Filosofia
antiga, quando a polis grega desapareceu como centro político, deixando
de ser referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia encontra-se sob
o poderio do Império Romano. Os filósofos dizem, agora, que o mundo é sua
cidade e que são cidadãos do mundo. Em grego, mundo se diz cosmos e esse
período é chamado o da Filosofia cosmopolita.
Essa época da Filosofia é constituída por
grandes sistemas ou doutrinas, isto é, explicações totalizantes sobre a
Natureza, o homem, as relações entre ambos e deles com a divindade (esta, em
geral, pensada como Providência divina que instaura e conserva a ordem
universal). Predominam preocupações com a ética - pois os filósofos já não
podem ocupar-se diretamente com a política -, a física, a teologia e a
religião.
Datam desse período quatro grandes sistemas
cuja influência será sentida pelo pensamento cristão, que começa a formar-se
nessa época: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo.
A amplidão do Império Romano, a presença
crescente de religiões orientais no Império, os contatos comerciais e culturais
entre ocidente e oriente fizeram aumentar os contatos dos filósofos helenistas
com a sabedoria oriental. Podemos falar numa orientalização da Filosofia,
sobretudo nos aspectos místicos e religiosos.
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