introdução
1.
Introdução:
Tratar da questão da liberdade é um desafio,
pois sabemos que existem muitos conceitos e posições divergentes a respeito do
tema. Em nosso cotidiano são apresentadas diversas situações que nos fazem
refletir sobre qual é a melhor forma de agir, e ao mesmo tempo tomarmos uma
decisão correta sobre determinadas situações. Quando
o indivíduo tem a possibilidade de decidir sobre suas ações de forma consciente
e sem qualquer pressão externa, é a afirmação de que ele possui liberdade.
Dessa forma, então ela estaria relacionada à condição pela qual o homem age no
mundo em que vive, é maneira pela qual ele entende a atribui valores a suas
ações.
Porém, é possível perceber que a maioria das
pessoas quando buscam uma resposta para a definição de liberdade, tem por
hábito defini-la de maneira simplista, ou seja, relacionada ao senso comum, acreditam
que liberdade é a possibilidade de fazer tudo aquilo que o indivíduo deseja.
Uma das primeiras definições referentes à
liberdade foi produzida por Aristóteles que entendia a questão referente
liberdade como a possibilidade do indivíduo agir conforme a sua própria
vontade. Ser livre é, pois, o mesmo que agir voluntariamente, sendo esta
vontade determinada pelo próprio agente. (Caderno do professor SEE, 3º ano
vol.3 p.18). Esse conceito de liberdade ficou conhecido como libertarismo.
A liberdade também é definida da seguinte
forma: é a condição daquele que é livre. Sua capacidade de agir por si mesmo.
Autodeterminação. Independência. Autonomia. (Japiassú p. 169).
É importante destacar que existem
correntes filosóficas que afirmam que a liberdade não existe, entre elas
podemos destacar o determinismo e o destino. Ambas as correntes defendem a tese
de que os homens por fatores externos a suas vontades seriam impossibilitados
de mudarem os rumos de sua vida.
Faz-se necessário neste momento,
esclarecer o que vem a ser o determinismo. O determinismo é uma doutrina
filosófica que afirma que todos os acontecimentos do mundo, todo o conjunto de
relações entre os homens, incluindo aqui o comportamento humano, os fenômenos
da natureza, fazem parte de uma causa que lhes antecede, ou seja, existe uma
espécie de plano racional, que regula a vida dos indivíduos. Dessa forma a
vontade humana estaria submetida a um conjunto de leis, essas leis além de
necessárias também são consideradas como leis imutáveis.
Essa necessidade seria um conjunto
de regras, uma espécie de dever no qual todos os homens estão submetidos. O
determinismo é antes de tudo um princípio universal, um conjunto de
acontecimentos que somados comandam todas as formas do agir e do pensar dos
homens.
[...] o determinismo é uma doutrina
filosófica que implica a negação do livre arbítrio e segundo a qual tudo no
universo, inclusive a vontade humana, está submetido à necessidade. O principio
do determinismo é universal segundo o qual todos os fenômenos naturais ou
sociais estão ligados por relações invariáveis ou leis [...] (Japiassú, p. 71).
É importante esclarecer que o
determinismo não é uma força divina, que comanda nossas ações, mas sim um
conjunto de circunstâncias que nos fazem agir da maneira que agimos.
O destino e o determinismo tem o
mesmo significado? Não, destino e determinismo têm sentidos e significados
diferentes, como veremos a seguir:
[...] Destino ou fatalismo é uma
doutrina de que a ação humana não tem influência sobre os acontecimentos [...]
(Blackburn, p. 71). A palavra destino
vem do latim destinare: fixar, determinar com antecipação (Japiassú, p. 70), ou
seja, as coisas que acontecem ou vão acontecer em nossas vidas faz parte da
vontade de um ser superior (uma entidade divina), como um escritor que sabe
previamente o que acontecerá com as personagens de sua obra. Ou seja, isto quer
dizer que não importa aquilo que eu faça ou pretenda fazer, minha ação não
mudará nenhum acontecimento de minha vida.
Essa impossibilidade de mudar os
rumos de nossas vidas faz com que as pessoas que têm a crença no destino,
atribuam todos os acontecimentos de suas vidas como a uma permissão de uma entidade
superior. Em nosso cotidiano temos muitos exemplos dessa situação:
“Se for da vontade de Deus vou
conseguir esse emprego”.
“Por permissão de Deus passei no
vestibular”.
“O destino nos uniu”.
“Deus não permitiu que aquela garota
morresse no acidente”.
Na Grécia antiga, essa questão do
destino nos foi apresentada nas tragédias gregas, uma das tragédias mais
conhecidas é a de Édipo rei, de Sófocles. Que conta a seguinte história que foi
destinada a família de Édipo:
Nela conta-se que Laio, senhor de
Tebas, soube pelo oráculo que seu recém-nascido filho haveria de assassiná-lo e
casar-se em seguida com a sua própria mãe. Laio antecipa-se ao destino e manda
matar o filho. Mas as ordens não são cumpridas, e a criança cresce em lugar
distante. Quando adulto Édipo consulta o oráculo e, ao tomar conhecimento do
destino que lhe fora reservado foge da casa daqueles que supunha serem seus
verdadeiros pais a fim de evitar o cumprimento daquela sina. No caminho
desentende-se com um estranho – e o mata. Esse desconhecido era seu pai.
Entrando em Tebas, Édipo casa-se com Jocasta, viúva de Laio, ignorando esta ser
sua mãe. E assim cumpriu-se o destino. (Aranha; Martins, Filosofando p.235).
Podemos após a narrativa desta
tragédia grega, ter uma definição clara do poder e a influência das entidades
divinas e principalmente o destino que elas traçam na vida de cada indivíduo. Ou
seja, as ações humanas jamais terão a capacidade de mudarem aquilo que está
destinado aos homens, aceitar ao destino é ao mesmo tempo concordar com o plano
estabelecido a nós pelos deuses.
A ideia do
destino significa que o homem não pode escolher para onde vai, ou até o que
fazer, mesmo que seja contra sua vontade. Algo fora dele decidirá, e não há
nada que ele possa fazer para mudar seu futuro ou alterar seu presente. Essa
ideia tem um caráter religioso e pode-se dizer que foi introduzida na filosofia
pelos estóicos. Para eles havia uma causa necessária para tudo, ou seja, o
mundo inteiro segue certas leis, as quais obrigam as pessoas a agir e morrer
sem poder decidir por si. (Caderno do professor: filosofia ensino médio – 2
ªsérie vol. 1)
O estoicismo,
foi uma escola filosófica que foi fundada por Zenão de Cicio (336-236 a.C.)
que afirmava que os indivíduos seriam felizes caso aceitassem e vivessem de
acordo com uma ordem determinada, ou seja, deveriam aceitar e amar aquilo que o
destino determinou para sua vida.
[...] Os
estóicos acreditavam na existência de um universo ordenado e harmonioso, que é
composto de uma matéria e de um principio ativo, racional e inteligente (o
chamado logos), que permeia, anima e conecta todas as suas partes [...]
(Cotrim; Fernandes, p.22).
Acreditar no destino é acreditar na
incapacidade do homem em tomar decisões, e não responsabilizá-lo por erros de
conduta, acreditar no destino significa também negar toda a potencialidade e
capacidade humana, de construir e modificar o meio em que vive. Quando
acreditamos na existência do destino fazemos do ser humano um simples fantoche,
um instrumento que é meramente manipulado por uma força superior que traçou
toda a sua história conforme seus caprichos e vontades.
Imaginemos a seguinte situação: A
partir de hoje por meio de um processo seja lá qual for, uma revelação ou uma ordenação
divina, ou uma imposição do governo, enfim algo que nos faça acreditar na
existência do destino. A partir desse momento não seríamos mais
responsabilizados por nada. Essa situação seria muito bem aproveitada pelos
advogados que conseguiram absolver todos os clientes, pois bastaria argumentar
que foi por influência e determinação do destino que seu cliente cometeu um
homicídio por exemplo.
Dessa forma podemos concluir que,
tanto o destino quanto o determinismo, defendem a ideia de que para todos os
acontecimentos da vida humana existe uma causa determinante (necessidade). Enquanto
o destino afirma que essa necessidade se dá por meio da vontade de um ser
superior, que traça literalmente os rumos de todos os homens conforme aquilo
que ele predeterminou. O determinismo por sua vez condiciona as ações dos
homens, devido a um conjunto de acontecimentos e fatos, tanto de natureza biológica como fatores de
ordem social e econômica.
Entre os
vários sentidos atribuídos ao tema liberdade temos: a liberdade em sentido
político, a liberdade no sentido ético, a liberdade de pensamento e de
expressão, a liberdade de imprensa, além é claro dos conceitos de liberdade
produzidos pelos filósofos, só para citar alguns nomes: Aristóteles, Santo
Agostinho, Kant, Descartes, Hobbes, Locke, Rousseau, Sartre, etc.
O filósofo francês Jean Paul Sartre,
faz uma afirmação que soa estranho para muitas pessoas ao dizer a seguinte
frase: “estamos condenados à liberdade”. Como podemos entender a liberdade como
uma condenação? Sartre responde da seguinte forma: É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre.
Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma
vez lançado ao mundo, é responsável por tudo aquilo que ele fizer. (O
existencialismo é um humanismo p.9) [1]
Sartre faz parte de uma corrente
filosófica denominada existencialismo, essa corrente afirma que não existe uma
essência humana, mas sim uma existência humana. Essa existência humana ocorre
por meio das relações que o homem estabelece consigo mesmo, assim como o
conjunto de relações com os demais homens.
Segundo Sartre o ser humano não
possui uma essência definida, pois o os homens estão em constante construção,
não existe um ser pronto, acabado e definido. Se o homem fosse um ser pronto e
definido por meio de uma essência ou uma determinação da natureza ou ainda, uma
pré-determinação de um ser divino, este homem não possuiria liberdade e não
teria consciência de suas ações.
Para Sartre todos os homens serão
sempre livres, mesmo existindo segundo ele um conjunto de “impedimentos,
condicionamentos, e determinações” existentes na vida de todos nós, mesmo assim
seria possível a todos os homens por meio da escolha individual superar os
limites e condicionamentos sociais.
Sartre defende ideia que a liberdade
é sempre a possibilidade de escolher aquilo que o indivíduo vai fazer e
principalmente aquilo que quer ser. E por meio das escolhas realizadas por nós,
iremos construir a nós mesmos, portanto seremos sempre responsáveis por todas
as nossas ações.
[...] As situações históricas
variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã – ou senhor feudal ou
proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de
lutar, de viver com os outros e de ser mortal. [...] (O existencialismo é um
humanismo, p. 16). [2]
Sartre também afirma que para os
homens serem livres de fato, precisam primeiramente lutar pela liberdade do
outro, ou seja, para que eu exerça minha liberdade, é preciso garantir também a
liberdade aos outros homens, e essa liberdade deve ser mediada pela razão.
Para
Sartre é necessário que as pessoas entendam que a liberdade está extremamente
ligada a um compromisso que os homens assumem para si mesmos, ou seja, devemos
nos comprometer com tudo aquilo que vivenciamos e planejamos para nossas vidas.
É de fundamental importância segundo Sartre não
responsabilizarmos os outros por aquilo que acontece comigo durante minha vida.
Esse pensamento pode ser resumido pela belíssima frase de Sartre: “Não importa
o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim”.
A mais profunda liberdade é poder
escolher o que somos e não apenas o que fazemos. Nós escolhemos um projeto para
nós mesmos, o que Sartre chama de compromisso. Nós nos comprometemos com os
nossos valores, sonhos, desejos e projetos. Sobre o que somos e o que seremos
nós decidimos. A razão disso tudo é a liberdade, que nos permite tornar um tipo
de pessoa, voltar atrás ou mudar de direção. (Caderno do professor, filosofia,
ensino médio 2ª série volume 1).
A liberdade precisa ser entendida
como uma reflexão do indivíduo sobre suas ações, e principalmente entender que
ela tem importância fundamental para conquistarmos a tão sonhada cidadania.
“A
liberdade é uma questão que está intimamente ligada à ética. A liberdade será
ética quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada
pela razão”. (Chauí, Introdução a Filosofia p. 290).
Temos aqui um impasse, se a liberdade está
relacionada com a capacidade que os indivíduos têm de escolher de maneira
consciente sobre as ações, no conjunto de suas relações sociais, como explicar
que muitos ainda entendam a liberdade como a possibilidade de realizar tudo
aquilo que se deseja?
A
questão da liberdade é importante que se diga que envolve um conjunto de
conceitos filosóficos, entre eles podemos citar a moral, a ética, o direito, a justiça,
a religião, a política, enfim a liberdade está relacionada com todo o processo
de construção da história da humanidade, ou seja, a liberdade enquanto conceito
filosófico é uma busca de aperfeiçoamento do convívio entre os indivíduos.
Este artigo tem como objetivo
realizar uma discussão que possibilite ao leitor, mais especificamente o jovem educando
do ensino médio, a necessidade de compreender que liberdade é um compromisso que
ele estabelece primeiramente consigo mesmo, ao mesmo tempo que é uma
responsabilidade, pois vivemos em sociedade, e nossas decisões devem levar em
conta que podem interferir na vida de outro indivíduo.
É de fundamental importância para a
construção de um país igualitário, que assegure os princípios e os direitos
universais dos cidadãos, possibilitando que cada um compreenda que os valores e
conceitos referentes à liberdade, são fundamentais para o exercício de sua
cidadania. Os conceitos da liberdade precisam ser compreendidos por meio de um
amplo processo de reflexão, ou sendo mais especifico, através de uma reflexão filosófica[3].
Segundo os objetivos do conteúdo
curricular da disciplina de Filosofia da Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo, para o Ensino Médio:
A liberdade é uma questão ética por
excelência, constituindo uma questão fundamental para ser trabalhada na faixa
etária dos alunos no Ensino Médio. Compreender o elevado sentido da liberdade,
identificar seus limites e defender sua necessidade para a plena realização da
condição humana, constitui passo fundamental no caminho da construção da
cidadania, em geral e no desenvolvimento de cada aluno.
O educando precisa ter consciência
que mesmo existindo limites para suas ações, será de sua responsabilidade
realizar uma análise que permita a ele superar essa limitação seja ele por
questão física, sexual, condição econômica, e principalmente aquela mais
criticada pelo jovem, a imposição da lei.
A sociedade moderna ao longo da
história criou ferramentas que condicionam e penalizam as ações dos indivíduos
que descumprem as leis elaboradas pelo Estado. Essas leis visam um melhor
relacionamento dos membros que compõe a sociedade oferecendo a nós cidadãos às
condições necessárias para um convívio pacífico e com garantia de nossos
direitos constitucionais.
No entanto as leis elaboradas pelo Estado são
vistas por muitos como um impedimento da ação livre dos indivíduos. Fica então
a pergunta: as leis são necessárias para a existência da liberdade, ou elas
impedem a realização da mesma?
Por que existem as leis? Por que os
homens criaram o Estado?
O que a filosofia entende por
Estado? E como ela respondeu a essas questões?
Uma corrente que durante os séculos
XVI a XVIII ficou conhecida como Contratualista, responde que os motivos que levaram aos homens
a criarem o Estado se deram principalmente por um conjunto de necessidades, necessidades estas que podem ser resumida da
seguinte forma: defesa da vida, defesa da propriedade, garantia de liberdade. Os
principais representantes desta corrente filosófica são: Thomas Hobbes
(1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778).[4]
[1] Trecho extraído do livro fundamentos da
Filosofia, Gilberto Cotrim.
[2] Trecho extraído do livro Fundamentos da
filosofia, Gilberto Cotrim.
[3] Segundo Marilena Chauí a reflexão filosófica
é m processo de volta do pensamento sobre si mesmo, ou seja, um questionamento
radical sobre nossa forma de agir que é muito mais amplo do que o simples ato
de pensar.
[4]
Neste artigo será discutido de forma mais específica os conceitos de
contratualismo dos filósofos Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.
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